Santas pernas (de fora)
SANTAS PERNAS (DE FORA)
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 27.04.11)
Depois que passou pela banca de revistas e jornais, onde se demorou bisbilhotando a capa das publicações expostas para inteirar-se das novidades do mundo, do Brasil e das telenovelas (em especial destas, embora não o admita nem no íntimo de si próprio), a primeira pessoa que João Osório encontrou na rua foi o primo Manoel Osório, mas nem lhe ocorreu de perguntar, ainda que apenas socialmente, o que o outro fazia em Tubarão, no Sul do Estado, onde não era visto há décadas. Percebia-se que João Osório vinha furioso, botando fogo pelas ventas, como se dizia em sua época.
Indignado como andava, o tipo de pessoa que não gostaria de encontrar, assim no fervor do seu inconformismo, era exatamente alguém como Manoel Osório, com sua mania sempre irritante de tudo questionar, querendo avaliar o outro lado das questões ainda que ele próprio não concordasse com tal face alternativa das demandas. Assim, contrariado, João Osório precisou conter-se ao falar com o primo distante, ao invés de, no ímpeto da sua revolta, descarregar logo todo o caminhão, entornar logo todo o caldo, dar vazão logo a toda a sua fúria santa.
Como todos sabemos, a frondosa família Osória espalha rama pelo chão em todos os municípios da Região Sul de Santa Catarina, assumindo em cada cidade postos de mando nas letras e nas artes, no poder temporal e no espiritual, nas associações, nos sindicatos e nas cooperativas. Todos eles tradicionalmente advogados formados nas melhores casas de ensino do ramo, são Osórios prefeitos, vereadores e deputados, donos de rádio, jornal e televisão, juízes, promotores e procuradores, prosadores, pensadores e poetas, pintores, escultores e diretores de teatro, professores, diretores e inspetores escolares, padres, bispos e pastores. Em resumo: onde houver uma parcela de poder em todo o Sul, lá haverá, brilhante, uma mente Osória assumindo o comando. Menos em Imaruí, terra dos Bittencourt, onde Osório algum jamais se criou.
- Posso estar errado, primo - foi logo dizendo João Osório -, e é até possível que esteja, mas foi essa a educação que recebi do grande Camargo Osório, meu distintíssimo pai, que Deus o tenha. Posso estar errado, mas não consigo enxergar o meu erro quando me vejo perplexo ao dar de cara, já na primeira página de um jornalão do Rio ou de São Paulo, com a foto de uma mulher de vestido vermelho curto com rasgo na altura da coxa até lá em cima, no meio de uma celebração da Paixão de Cristo. Por que ela faz isso? Há intuito sexual nessa vestimenta ou ela não percebe a provocação do ato, vestindo uma roupa assim sem atentar para os efeitos que causa ao redor, para o desrespeito às coisas de Deus e da religião?
Contendo-se no limite extremo das suas possibilidades, João Osório toma ar com dificuldade e desabafa:
- Pois ainda outro dia, meu caro primo, no velório do nosso pranteado tio Honorato Osório, lá estava Honorinha Osória, sua filha já casada, de minissaia e blusa decotada chorando o passamento do pai. Aquilo é roupa para um velório, Manoel Osório? Diga-me lá: com aquele corpão ela não desconfia que estará levantando pensamentos pecaminosos e olhares gulosos por todo o recinto? Não se dará conta de que exala sexo por todos os poros deixados visíveis? E o respeito ao pobre pai, finado ali à frente, onde é que fica?
João Osório tosse profundamente antes de concluir:
- E o respeito a todos nós, pobres homens, pobres mortais, que nada poderemos fazer naquele momento, naquele local de dor?
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==> Está próximo: Lançamento do livro "Se Te Castigo É Só Porque Eu Te Amo" (teatro), de Amilcar Neves, será no dia 29 de abril, sexta-feira, às 20h30, na Barca dos Livros, em frente aos trapiches da Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Gostaria muito de poder abraçar vocês lá.