Quem nunca idealizou o amor?
Era véspera de feriado e meu celular tocava desesperadamente... Olhei para o aparelho e o mesmo indicava número confidencial - se as pessoas soubessem que não atendo chamadas com o número oculto, elas não me ligariam, mas lembrei de uma amiga que sempre me liga com o identificador de chamadas desativado - Depois de três ligações, resolvi atender o celular e fiz bem, pois era a amiga que mencionei.
Com a voz chorosa me disse poucas palavras: - “Vou passar na sua casa. Preciso conversar... Brigamos”. E desligou. Logo pensei: - “Brigaram!” Quando você conhece bem uma pessoa as palavras são dispensáveis. O tom de voz e o silêncio dizem de um contexto que ainda não foi verbalizado. Minha amiga não precisava me dizer muito e ela sabia, afinal, nos conhecemos desde a adolescência.
Alguns minutos se passaram e lá estava ela. Ela entrou. Tomamos café e conversamos. Relatava-me de como era difícil a vida a dois... Dos impasses, da incompreensão, das palavras que não precisavam ser ditas... Enfim, contava-me de como era difícil estabelecer um diálogo quando tudo parecia só desencontro.
Escutei, falei pouquíssimo e a acolhi. Após o momento tenso - e sempre é, pois a dor que o amor provoca parece sangrar e o pior é que você não encontra a ferida para estancar a hemorragia - olhei para minha amiga e disse: - “Tenho pensado bastante sobre as dificuldades de encontrar um amor”... Fui interrompida por gargalhadas. Ela me conhecia bem e sabia que havia tecido alguma teoria mirabolante.
- Chegou a alguma conclusão? Perguntou minha amiga com uma expressão facial incrédula e crítica. Respondi que sim e continuei meu raciocínio: - “Lembra da época que tínhamos quatorze ou quinze anos e fazíamos uma lista com os predicados de um amor ideal? Minha lista continha jovem atencioso, romântico, charmoso...” Ela interrompeu dizendo: - “A minha lista tinha moreno, olhos claros, barriga de tanquinho...” - E mais risadas...
Entre beleza e personalidade, a lista de predicados só crescia. Pronto! Você entregava para o Anjo-Cupido um tipo de GPS que, em tese, o conduziria ao seu amor perfeito! Bastava procurar... Tarefa, aparentemente, simples. Mas algo estava errado... Se, teoricamente, encontar o amor ideal era fácil, qual o motivo de tantos desencontros?
Dei um longo suspiro e com dedo apontado para o alto disse: - “LER”! – Às vezes penso, - “Danielle guarde suas ideias pra você”- mas rir com os amigos é impagável e, no final, ganhar o troféu "mico do ano" sempre vale a pena! E continuei a discursar: - “Acompanhe meu raciocínio: Quem aguentaria essa vida de índio? Só arco e flecha desde os primórdios! O resultado é Lesão por Esforço Repetitivo (LER). O que me leva a pensar em outra hipótese: falta de mão-de-obra qualificada entre os Anjos-Cupidos. Alguns cupidos afastados pelo INSS e cupidos inexperientes no serviço. Imagine a cena? A confusão?" - Nessa altura da conversa, já estava encenando o cupido, minha amiga se desmanchando em risadas e continuei: – "O cupido está mirando no seu amor ideal e acerta uma pessoa do outro lado da calçada. Cupido sem mira... Espalhando flechas imprecisas... Pode-se dizer que distribuiu flechas aleatoriamente. Esse é o motivo da confusão!" – Boa hipótese! Grita minha amiga como se estivesse dizendo “Eureca!”
Ela balança a cabeça e diz concordar comigo, mas levanta outra hipótese: - “Ou, talvez, sejamos nós a bagunçar o trabalho do cupido. Afinal, sua lista muda de quanto em quanto tempo?”
Respondi dando risadas: – “A minha lista tem a estabilidade de uma montanha russa!”. Meu cupido deve ser um ingente! Refleti.
Apesar do contexto, foi uma tarde inesquecível!
Minhas amizades são preciosas! Só na companhia dos amigos fico a vontade para partilhar ideias tão insanas. Também, que coerência há na paixão? Quem nunca idealizou um amor? E o cupido fica com a culpa... Pura injustiça!
Entre o real e o imaginário... Entre o coração partido e a ideia do cupido desastrado, passamos a tarde recordando dos tempos em que as feridas pareciam grandes demais... Já chorei por amor, pensando que aquele seria meu último pôr do sol. Intensa! Que último o quê? O sol nascia, o dia recomeçava e, sem perceber, a ferida cicatrizava. O que era imensurável ficava pequeno e, depois de um tempo, até virava motivo de risadas.
Colocar a culpa no cupido não diminuiu as lágrimas da minha amiga, como não diminuiriam as minhas se estivesse no lugar dela, mas lembrar das situações que já vivenciamos nos dá forças, porque sabemos que após o crepúsculo há a alvorada e com o nascer do sol, a esperança é concebida... Nada é permanente!
Danielle Faria.