Os fins justificam os meios?
Afonso acordara cedo naquela manhã de segunda- feira. Tinha uma estranha impressão de que algo de errado iria acontecer. Depois de tomar café, arrumou-se para o trabalho e saiu de casa. Aos 23 anos, Afonso ainda não havia cursado faculdade e trabalhava numa loja durante o dia para ajudar nas despesas em casa. Não tinha nenhum tipo de hobby, tinha apenas sua devoção à Igreja Geração Jesus Cristo, situada no bairro de Santo Cristo, uma igreja que prega a não-idolatrização e a destruição de objetos idolatrados por outras crenças, como macumbas e imagens de santos. Afonso era um assíduo freqüentador da igreja. Já havia dado diversos testemunhos, incluindo alguns no website da igreja. Ia aos cultos todos os domingos, e, quando conseguia, ia também aos cultos de terças e quintas.
Dentro do grupo de freqüentadores da igreja, Afonso era muito ligado a três deles: Alessandro, Reinaldo e Dominique, outros fiéis, tão devotos quanto Afonso. Os quatro amigos tinham conhecimento de outros membros do grupo que haviam lutado, verbal e fisicamente, com adeptos de outras crenças, pois estes não “conheciam a verdade”, e desejavam fazer o mesmo. Além de ir aos cultos, os quatro também liam muito os textos radicais do website da igreja. Estes textos também os influenciavam muito, e os empolgava para que pudessem agir contra templos de outras religiões.
Naquela tarde, Afonso recebeu um telefonema de Alessandro. Ele falou sobre sua vontade de atacar e impedir a realização da prática religiosa num centro espírita, cuja sede era próxima ao local de trabalho de Afonso, no catete, e disse que iria buscá-lo junto com Reinaldo e Dominique, para verem o tal templo. Afonso disse que tudo bem e desligou. Começou a aguardar ansiosamente o momento desse encontro.
Às seis e meia, Alessandro, Reinaldo e Dominique apareceram n loja em que Afonso trabalhava. Afonso então foi encontrar-se com eles, e partiram na direção da igreja que iriam atacar. Resolveram cortar caminho pela Rua Bento Lisboa, uma pacata rua do bairro do catete. Ao dobrarem a esquina, se depararam com uma fila de mais de 60 pessoas. Curiosos, resolveram perguntar do que se tratava a fila. Eis que uma senhora lhes disse que a fila era para uma consulta espiritual no Templo Cruz de Oxalá, o templo que eles procuravam. Afonso e os outros começaram a se exaltar, e gritar palavras ofensivas para as pessoas na fila, acusando-as de idolatria e de associação com o demônio. No meio da confusão conseguiram empurrar a porta e entrar no centro. Lá dentro, foram atrás das imagens de santos. Destruíram uma a uma, e eles mesmos não sabiam dizer como conseguiram este feito antes de serem pegos.
Foram tirados de dentro do centro e levados para a 9ª DP do Rio de Janeiro e lá prestaram depoimento. Depois souberam que o pastor de sua igreja havia “lavado as mãos” quanto a eles, dizendo que o ataque havia sido apenas um caso isolado, e que ele não pregava nada do que foi cometido pelo grupo de Afonso, deixando-lhes então numa situação de dúvida.
Para aos freqüentadores do centro, que já haviam sido atacados verbalmente várias vezes devido à sua crença, restou também um dúvida: haverá outro ataque desse tipo? A ignorância com outras religiões ainda vai existir por quanto tempo? Respostas que só o tempo trará...
(Este texto foi elaborado, em 13/06/2008, como um trabalho de faculdade. O objetivo do trabalho era pegar uma notícia factual e transforma-la em um texto de jornalismo literário. Eu o baseei num caso ocorrido em 03/06/2008. As informações nele contidas são bastante imprecisas, uma vez que havia muita discrepância entre os dados dos diversos meios de comunicação que consultei. Mais tarde, a pessoa que usei como base para um dos personagens do texto colocou um video na internet que mostrava um pouco de suas motivações e a cronôlogia mais precisa do ocorrido, sem detalhes romanciados, mas ainda tenho apreço por este texto por ele tratar de algo, infelizmente, presente em nossa sociedade, a intolerância.)