Insônia

Vou ao banheiro. Não há mais nenhum som vivo. Me olho no espelho. Pequenos estalos provocados pelo calor no azulejo e algus zumbidos dos insetos são os sons da madrugada. Meus olhos estão vermelhos e minhas olheiras profundas, iguais á pequenas manchas negras entre o nariz. Os irritantes insetos deixaram a sala e vieram me perturbar no banheiro: dividem a luz e o espelho comigo. Lavo o rosto, já escovei os dentes á muito tempo e muito antes disso já havia chegado do trabalho. Me encosto na pia e observo o que restou da pasta de dente: parece uma forma de vida alienígena.

Procuro o sono, procuro. Mas é inútil. O fato de ter lavado o rosto não atrapalhou, na realidade, quando lavo o rosto me dá um pouquinho de sono. Sono é o que eu preciso agora. Não consigo acabar com a insônia. Os remédios me fazem dormir imediatamente, o problema é que acordo depois, no meio da madrugada, e assisto o dia amanhecer com tanta amargura por já prever o dia de zumbi que terei.

Não sei porque isso. O cansaço do trabalho vem e depois de umas duas horas some. O tempo que levo para digerir a janta é o tempo em que perco o cansaço. Estranho...

Depois da janta, arrumo a casa rapidamente. Com o tempo descobri o efeito terapêutico de se limpar a casa de madrugada - ajuda a passar as horas intermináveis. Claro, porque se eu dependesse da televisão eu corro o risco de continuar com insônia e dessa vez depressivo.

Minha insônia é provocada pelas idéias, essa é a minha teoria. Não que eu seja um grande inventor, mas que recapitulo tudo o que aconteceu comigo no dia e então tiro de cada pequeno momento uma idéia, uma interpretação. Cabeça vazia, oficina do diabo, pois é. A limpeza, contudo, ajuda a varrer essas nuvens de dúvidas e incertezas. Incertezas, essa é a palavra que estava procurando. Isso define minha insônia.

Tirando esse mosquito que passa a cada meio minuto no meu ouvido, não há nada que me irrite mais que as incertezas. Por que não sei o que esperar delas, cada vez que penso nelas me sinto mais despreparado e mais angustiado. Não que minha vida seja instável, não. Mas eu tenho o grande dom de encontrar incertezas e tragédias onde menos se espera. Por isso preciso limpar a casa, quando não faço isso acabo pensando besteira, fazendo besteira. Minha sorte é que como moro em frente á um rua movimentada, minha casa está sempre abençoada de poeira.

Eu parei ainda pouco. Vim tirar o suor do rosto. Pensando bem, acabei. Não tem mais o que limpar. Agora, meio cansado, meio realizado, cheguei á hora da verdade! Vou para cama e tentarei dormir o sonho dos guerreiros da limpeza!

Deito na cama. O silêncio continua sendo o dono da noite. Me remexo um pouquinho, para me ajeitar melhor. Posso ver a luz da lua atravessando a janela e encontrar repouso num canto do quarto onde está o rádio. Coloco os pés para fora do cobertor - está quente. Agora fico imóvel, me confundo com o estado de coisas do quarto: a inércia. Nada se ouve, nada se mexe. Nada vejo, meus olhos estão fechados. Na minha mente, a ausência de sinapses me tranquiliza. Mas da massa bruta de nada, parece surgir alguma movimentação, algum princípio de caos. Posso ver a silhueta de uma idéia incerta vagando pelo horizonte. E se aproximando. E se aproximando.