A PRIMEIRA PESCARIA NÃO SE ESQUECE
Muitas e muitas coisas marcaram meus anos em Maués. O nascimento da minha filha mais nova talvez seja a coisa mais importante. Contudo, há muitas outras lembranças de coisas que fiz pela primeira vez na vida na Terra do Guaraná. Embora tenha participado de dezenas de pescarias, a primeira me marcou como nenhuma.
Ela foi programada com uma semana de antecedência. Comprei linha, colher de currico, destorcedores de diversos pesos, caixa de isopor e toda a tralha conforme a recomendação dos “especialistas”.
Sexta feira à tarde, tudo pronto, subimos num barco com motor de centro, levando no toldo dois botes e alumínio, com motores de oito cavalos cada. Éramos, ao todo, nove pessoas. Meus “professores” eram da administração da Samasa que levavam uma novidade a bordo: Cervejas em lata da Antarctica, há pouco lançada no Brasil pela companhia controladora da empresa dos meus colegas. A idéia era irmos até o Lago Preto do Ramos, dormir lá e sair para curricar cedo.
Três horas mais tarde, depois de passar pela estreita boca do lago, ancoramos o barco no meio deste. Ficar na beirada era impossível porque seríamos devorados pelos mosquitos, aqui chamados de carapanãs. Aliás, ninguém os chama, eles costumam aparecer sem serem chamados. No centro do lago, a mais de 300 metros da terra, em qualquer direção, estávamos livres dos insetos.
Comemos, bebemos cerveja, depois dormimos até que o clarear do dia nos acordasse. Já tinham ido em terra comprar leite fresco e pupunha para acompanhar o café com bolacha do desjejum. Depois nos dividimos em dois grupos de três, cada um num bote. Comigo iam dois senhores mais velhos que eu: Sérgio e Expedito. Expedito fez questão de ser o piloteiro – como me ensinaram a chamar o que ia pilotando e controlando o barco. Sérgio e eu íamos arrastando a linha na esperança de pegar peixe. No outro iam Afonso, Giovanni e Victor, este último pilotando.
Haviam sido fixadas algumas regras: levávamos cerveja e água, mas a cerveja serviria apenas para comemorar. Só podia ser consumida depois de pegar três peixes, ou então um maior de quatro quilos. Eu não tinha nenhuma experiência nesse tipo de pescaria. Mas, quando estava deixando a linha se desenrolar pela força da água, senti o impacto. Expedito, muito experiente, já punha o motor em ponto morto. Eram 5:50 da manhã daquele sábado, quando pesquei meu primeiro tucunaré, de cerca de dois quilos.
Em seguida peguei outro, um pouco menor, depois, uma piranha preta de cerca de um quilo. Sérgio, que não sentira nenhuma fisgada, desdenhou:
- Sorte de principiante. Os peixes costumam puxar o saco dos novatos. Eu deixo passar estes, só pego de quatro quilos pra cima. – Depois, um pouco mais calmo, tentou justificar – Acontece que você está do lado do barranco, mais próximo da beira.
Expedito fez meia volta e a posição se inverteu. Sérgio continuou sem pegar nada enquanto eu tirava um peixe atrás do outro do rio. Estava tão empolgado que me esqueci da comemoração. Foi Expedito que lembrou:
- Já pegou seis peixes, se não cumprir o prometido e não comemorar vai ter azar.
Não eram 6;30 da manhã. Ainda sentia o gosto do café com leite na boca quando abri a primeira latinha. Sérgio e Expedito não comemoraram comigo. Sérgio, aliás, ficava fazendo pouco caso do tamanho dos meus peixes. Estes todos guardados na caixa de isopor com gelo no centro da canoa de alumínio.
- Eita! – Gritou Sérgio, quando a linha se retesou. – Este é dos grandes, não esses filhotinhos que você está pescando. – Realmente, o peixe que ele tinha no anzol brigava muito, mostrando que tinha peso e volume. Quando chegou perto da canoa vi seu dorso escuro e amarelo, onde apontava um pequeno cupim, característico daquele tipo de tucunaré.
- Vem, pro papai – convidou Sérgio quando o peixe nadou para baixo do bote.
- Calma – disse Expedito – Deixa ele se cansar.
Sérgio deu um pouco de linha ao peixe, depois foi trazendo para perto outra vez. Cheio de experiência, não se afobou em momento algum com o peixe que devia pesar mais de oito quilos. Quando o trouxe para perto, e ia levantá-lo com o anzol, o peixe deu uma rebolada, girou sobre si e deixou o Sérgio só com a linha na mão. Por um momento eu o imaginei pulando atrás do peixe em pleno lago. Mas não, apenas ficou boquiaberto olhando incrédulo para o anzol em sua mão.
Aproveitei para me vingar do pouco caso que ele vinha fazendo da minha pescaria:
- Quando voltar, pode contar que o maior escapou. Eu ajudo a mentir. O maior sempre é aquele que escapa.
Quando ele me olhou, não senti sorriso nenhum no rosto dele.
Ficamos pescando direto até as 11 horas. Levamos os peixes até o barco, almoçamos e voltamos a pescar até as 17 horas. Ao todo pegamos 140 (afora os maiores que escaparam) num único dia. Havia muitos tucunarés, apapás, piranhas pretas, aruanãs e até um peixe cachorro.
Durante a pescaria a céu aberto, usa-se chapéu, camisa de manga comprida, e calça também comprida. Mas os pés e as mãos que não têm proteção ficam totalmente queimados. Além do mais estava com as duas mãos com cortes feitos pela linha ao tirar os peixes da água.
Hoje, em todas as pescarias que participo, quando chega à noite, na hora da conversa, sempre conto a primeira que fiz no Amazonas. Que não é história de pescador.
Luiz Lauschner