Pênalti fatal

Mateus corre à sala. Entra na conversa. Escuta a porta bater com o vento. A mesa posta, Lalá chamando “Elvira, Elvira”. Cansado, pisa no próprio pé como se quisesse tirar o outro sapato, com esse movimento, modificar o contexto. Sente no ar a presença de Castanheira, gremista infatigável, disperso, inclinado ao jogo. Jandira cruzaria aquela porta com os cachos iluminados de verão. Castanheira gritando.

Vagabundo! Ordinário! Jamais chegará a técnico da seleção! Vá pro inferno.

Urrou de repente: Pênalti!

Na rua um carro indiferente, desses que ficam alheios no estacionamento pedia a presença do vizinho com brutal buzinada na hora “H” do pênalti. Castanheira meteu a cabeçorra na janela berrando: buzina prá tua mãe!

Se Jandira aparecesse lhe perguntaria manso.

- Onde você estava? Desde as duas horas estava ligado nela, imantado pelo espectro da sua aparição. Precisava que ela descesse as escadas do escritório. Devorava a comida em silêncio, mas silêncio povoado de presença. Silêncio em comunhão com o mais pleno desejo. Desejo carnal. Amor que reunia todos os elementos da existência num ato sensível. Devorado, ele olha e resmunga:

- Ah! Não, jandira. Por que você não vem na brisa? Observou o relógio. Talvez lhe traga uma xícara de café. Seria o seu fim.

O pênalti ficando cada vez mais perto da violência. Jandira, amanhã, amanhã ou será agora? Acredita nele, sabe que tudo flui nele tranquilo. Louco, vive para emendar-se. O pai avista a vitória no pênalti decisivo. Chuta! O jogador diminiu a velocidade, sem saber por que hesita, e a torcida se levanta. Castanheira bufa exsudando sangue. Ele aproveita a distração do velho para beijar Jandira sobre os pratos do meio-dia. As mãos colocadas para trás. Estava ali o título. Se o time perdesse ela não poderia pedir para dormir na casa de Helena com Estela.

Depois do gol ouviram o Castanheira chorar baixinho. Chorava de joelhos. Baixinho. Parecia feliz. Supôs que estava encantado com o gol e permanecia. Ela também havia gritado de prazer. Gritara anos mais tarde na cara de Justino: havia concebido um filho ao abrigo dessa morte.

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Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 25/04/2011
Reeditado em 09/09/2011
Código do texto: T2930312
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