Eu

Se viu nu por um instante, mas de imediato se escondeu atrás da porta do guarda-roupa, que ficava de frente ao espelho quando aberta. Olhar para baixo não era opção plausível. Ele estava nu. Bateu os pés no chão com força para tentar a chamar sua mãe sem fazer muito alvoroço. Não adiantou. Precisava arranjar um jeito de passar pelo espelho sem que sentisse a curiosidade de se olhar nu. Encostou-se no guarda roupa e começou a averiguar qual o material necessário para conseguir tal intento. Mas no seu quarto só havia a cama desforrada e o colchão molhado da noite anterior, que ainda seria posto ao sol. Cogitou a possiblidade de ficar trancado lá esperando alguém entrar para que pudesse pedir as roupas, ou se fosse a sua mãe pediria até mesmo para lhe vestir. Ideia vã, porque sua vontade de olhar para baixo e se ver nu era iminente. Seu coração estava palpitando. Respirou fundo pôs as mãos nos olhos e começou a caminhar em direção a roupa que estava do outro lado do quarto em um cabide dependurado na parede. Foi tateando com os pés, arrastando eles bem devagar para não correr o risco esbarrar na cama ou no guarda-roupa. Enfim, chegou as suas vestimentas. Parado em frente a elas descobriu que tirando uma das mãos do olho ficaria a vista para o espelho e para sua curiosidade. Retrocedeu a mão. Talvez o melhor mesmo fosse se olhar nu. Um dia teria de decidir se olhar e pronto, acabou, nunca mais sua vida seria a mesma. Mas o dia não seria aquele, não seria por conta de uma roupa. Tinha orgulho. Iria chamar a mãe pessoalmente; para isso teria que sair do quarto, andar uns onze passo até a escada, descer uns vinte degraus, virar para esquerda ou direita arriscando na sorte, pois à direita ficava a cozinha e à esquerda o jardim, em um dos dois locais estaria a sua mãe ou qualquer outra pessoa que pudesse ajudá-lo. Começou a jornada. Tateou com os pés o caminho até a porta do quarto, quando percebeu que a maçaneta era um problema. Deu três chutes na porta, mas, como todas as tentativas anteriores, foi em vão. Pular da janela era uma opção, eram dois andares, seriam uns cinco ou seis metros de queda, a grama do jardim ajudaria na aterrisagem. Estava muito otimista com esta solução e por isso ficou precavido, pensou mais um pouco e avaliou que não poderia pular com as mãos nos olhos e tão pouco sem olhar para baixo deixando acontecer o que queria evitar, havia ainda também a possiblidade de morrer na queda. Não queria morrer, só não queria se ver nu. As notícias do outro dia iriam lhe tratar como maluco: “Homem de vinte e cinco anos se suicida pulando nu da janela do seu quarto.”. Não queria aquilo. Deitou debruço na cama e pôde tirar as mãos dos olhos. Ainda estava nu e, depois de todo o esforço, cansado. Passou algum tempo olhando para a mancha da parede e conseguiu por uns segundos não pensar em nada. Os olhos bateram algumas vezes, estava com sono. Dormir era uma boa solução até sua mãe ou alguém entrar no quarto e lhe vestir. Era o que ia fazer, estava certo disso, pois mesmo ponderando não encontrou defeito algum nesta resolução. Foi o que fez.