CRAVOS DE ABRIL - O VALOR DA LIBERDADE
Só sabe valorizar a liberdade
Quem um dia sentiu a opressão
Saibamos dar valor a igualdade
Vivendo em paz, amor e união!
HOMENAGEM A UM POVO QUE, PELA LIBERDADE, FEZ UMA REVOLUÇÃO APENAS COM CRAVOS VERMELHOS
Revolução dos Cravos refere-se a um período da história de Portugal resultante de um Golpe de Estado Militar, ocorrido a 25 de Abril de 1974, que depôs o regime ditatorial do Estado Novo, vigente desde 1933, e que iniciou um processo que viria a terminar com a implantação de um regime democrático, com a entrada em vigor da nova Constituição a 25 de Abril de 1976.
Este golpe é conhecido pelos portugueses como a revolução do 25 de Abril.
Desde o fim da monarquia e até ao dia 25 de Abril de 1974, Portugal viveu mergulhado na tristeza e no medo.
Em 1 de Fevereiro de 1908, a família real portuguesa foi atingida por disparos vindos da multidão que se juntou para saudar o rei D. Carlos I, que morreu imediatamente, após ter sido alvejado. O herdeiro D. Luís Filipe foi, também, ferido mortalmente. Os assassinos foram mortos no local por membros da guarda real e reconhecidos posteriormente como membros do movimento republicano. A sua morte indignou toda a Europa.
A primeira República Portuguesa foi proclamada em Lisboa a 5 de Outubro de 1910. Nesse dia foi organizado um governo provisório, que tomou o controlo da administração do país, chefiado por Teófilo Braga. Os governos que se seguiram foram instáveis e de curta duração.
Em 1932 António Salazar tomou as rédeas do poder e durante quase 50 anos governou Portugal com punho de ferro.
Através de um regime nacionalista, autoritário e repressivo despolitizou-se, desmobilizou a participação cívica dos portugueses e criou uma única e determinada imagem do país. O povo passava fome, vivia amordaçado pelo «lápis vermelho dos censores», controlado por escutas telefónicas ou violação do seu correio, intimidados pelos informadores que colaboravam com o regime. Vivia atormentado pelo medo da tortura e da repressão. As pessoas eram julgadas por tribunais fantoches onde a liberdade ficava à porta e onde os próprios advogados passavam a réus. Foram proibidas greves. Os jornalistas não podiam escrever.
Autos de busca e apreensão exemplificam o processo de destruição da literatura. Obras de Gil Vicente, Camões, Bocage, Eça de Queirós e Aquilino Ribeiro, entre muitas outras, foram censuradas. A título de exemplo: “Os Maias “, “O crime do padre Amaro” e “O Primo Basílio” de Eça de Queirós, foram considerados anti-salazaristas e, por isso, foram proibidas.
Quem se atrevesse a desobedecer era preso. Também era preso todo aquele que fosse contra o regime ou considerado suspeito de o ser: preso, torturado, exilado ou deportado para campos de concentração, ou simplesmente assassinados. Estes homens e mulheres têm um rosto, sofreram a repressão, enfrentaram-na de forma corajosa e muitos morreram de forma heróica a combatê-la. São essas Vítimas de Salazar que merecem ser, hoje, homenageadas.
O fim do salazarismo só ocorreu com a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, num golpe de estado protagonizadodo pelos militares. A partir deste dia as pessoas puderam mudar a sua maneira de falar e de pensar.
Terminou o regime de ditadura Salazarista que tanto amordaçou esse valor mais elevado que é a liberdade.
Terminou a guerra colonial em África. Surgiu o desenvolvimento do país.
Apareceram novos partidos políticos que trouxeram novas ideias,permitindo às pessoas liberdade para escolher.
A revolução teve o seu peso decisivo para outro valor superior, que é o da igualdade, pois teve um importante contributo para a emancipação das mulheres. Em 1977, foi aprovada legislação que revolucionou o direito da família em Portugal, pondo em pé de igualdade marido e mulher e pai e mãe. Acabou-se com a pouca vergonha da distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. Foi dado o direito de voto às mulheres, tardiamente para os padrões europeus. Universalizou-se verdadeiramente o ensino. Criou-se uma classe média cujos filhos estudavam nas universidades. Às mulheres foi dada a possibilidade de poderem ter um curso superior.
Antes de 25 de Abril de 1974 a advocacia e magistratura estavam totalmente vedadas às mulheres. Apenas podiam trabalhar no ensino e em enfermagem por serem consideradas profissões para o bem público.
E só por isto já valeu a pena fazer-se uma revolução.
Foi talvez a mais linda festa política dos oito séculos da história de Portugal: o povo saiu à rua e festejou; milhares de pessoas em estado de júbilo, dançava, cantava, chorava, sorria e abraçava os jovens soldados sem medo dos fuzis. E ocorreu então um caso extraordinário, até hoje sem explicação. Não se sabe como nem porquê, havia cravos vermelhos nas mãos do povo. Homens, mulheres e crianças de cravos nas mãos. Milhares de cravos. E o povo enfeitou de cravos os fuzis militares. E do povo a revolução ganhou nome: Revolução dos Cravos. E o cravo vermelho passou a ser o símbolo da liberdade.
Todos os anos, neste dia, medito sobre o significado dos cravos vermelhos estrategicamente colocados no cano das armas dos soldados, e desde esse dia aliado ao sentimento que dominou este movimento revolucionário e que veio a tornar-se no símbolo da Revolução de Abril de 1974.
Hoje, 37 anos depois da Revolução dos Cravos, penso ser cada vez mais importante fazer passar a mensagem sobre o valor da liberdade, principalmente aos mais jovens.
Para muitas pessoas é difícil acreditar nas dificuldades passadas pela quase totalidade de um país. Para compreender o que foi realmente a ditadura portuguesa, é necessário descer aos arquivos e contatar diretamente com as fontes que os funcionários do regime não conseguiram destruir, no calor da insurreição. São esses documentos que permitem encontrar o Estado Novo de Salazar sem maquilhagens.
Só assim, no meu entender, estaremos verdadeiramente habilitados para compreender que, parafraseando Kenneth Maxwell: “Portugal é uma democracia pela qual se lutou, mais conquistada que negociada”.
É fundamental recordar que, e só a título de exemplo, entre os anos de 1936 e 1939 foram efetuadas 9575 prisões políticas entre 1940 e 1945 verificaram-se 4952 entre 1946 e 1948 contaram-se 1819 entre 1949 e 1951 registaram-se 1838 e no período que medeia os anos de 1952 a 1960 existiram 3740 prisões políticas (ver Presos Políticos no Regime Fascista, volumes II, III, IV, V e VI, Presidência do Conselho de Ministros, Comissão do livro negro sobre o regime fascista, Mem Martins, 1.ª edição, 1982).
É, também importante relembrar que, quando Salazar ordenou, em 1954, o encerramento temporário do Campo de Concentração do Tarrafal, já ali tinham morrido 32 presos políticos e que, por exemplo, “os 340 detidos que ali estiveram deportados totalizaram, no seu conjunto, cerca de 2 mil anos de prisão”. (Cf. História de Portugal em datas, Coordenação de António Simões Rodrigues, Temas e Debates, Lisboa, 4.ª edição, 2007, p. 352).
É este combate por uma memória histórica, objetiva e rigorosa, que me leva a acreditar que, mais do que nunca, faz todo o sentido comemorar Abril.
Que Abril seja sempre comemorado, em memória de todos aqueles que sofreram em nome da Liberdade!
Que no dia de hoje, muitos cravos vermelhos possam ser vistos nas mãos dos portugueses!
*
TANTO MAR II
Letra e música: Chico Buarque, 1976
«Foi bonita a festa, pá
fiquei contente
'inda guardo renitente, um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
mas, certamente
esqueceram uma semente nalgum canto de jardim
Sei que há leguas a nos separar
tanto mar, tanto mar
Sei também como é preciso, pá
navegar, navegar
Canta a Primavera, pá
cá estou carente
manda novamente algum cheirinho de alecrim!»
Nota:
Quando foi editada, a primeira versao de "Tanto mar" em 1975, vivia-se em Portugal a euforia da Revolução de Abril. Como sempre, solidário, Chico quis homenagear esse tempo de liberdade e compôs uma das suas melhores e mais emblemáticas canções.
A canção foi incluída (e naturalmente cantada) no concerto que deu origem ao álbum "Chico Buarque & Maria Bethânia ao vivo", mas a censura brasileira da altura proibiu a sua divulgação e apenas foi autorizada a sua inclusão no album como tema instrumental.
A letra basicamente fala de um eu-lírico português, enviando uma carta do Brasil para alguém, em Portugal.
Intencionalmente Chico usou para a melodia o Fado, que é a música mais representativa de Portugal. Chico salientou o modo de falar dos portugueses: O “pá” do final das frases é usado em Portugal como uma corruptela de “rapaz”, da mesma forma que no Brasil é usado “cara”, “mano”, etc.
Também faz questão de abusar de verbos e pronomes com a 2ª pessoa do singular (tu).
Chico também faz questão de homenagear o grande poeta português Fernando Pessoa e seu famoso poema “Navegar é preciso; viver não é preciso”, quando lembra o enorme oceano que separa os dois países.
Na última estrofe Chico lembra que enquanto em Portugal o povo “canta a primavera”, aqui no Brasil ele estava “carente” de liberdade, daí desejar sentir um pouquinho de cheiro de Alecrim, planta típica portuguesa de cheiro ativo e agradável.
Em resumo, Chico deixa claro que mesmo que as armas tenham terminado com aquela “festa” o espírito revolucionário vai sempre permanecer vivo.
Recentemente, Fafá de Belém registrou no seu álbum “Tanto Mar” (2004) ambas as versões:
Letra "TANTO MAR I":
Sei que estás em festa, pá
fico contente
e enquanto estou ausente
guarda um cravo para mim.
Eu queria estar na festa, pá
com a tua gente
e colher pessoalmente
uma flor do teu jardim.
Sei que há léguas a nos separar
tanto mar, tanto mar
sei também que é preciso, pá
navegar, navegar.
Lá faz primavera, pá
cá estou doente
manda urgentemente
algum cheirinho de alecrim.
Letra "TANTO MAR II":
Foi bonita a festa, pá
fiquei contente
'inda guardo renitente
um velho cravo para mim.
Já murcharam tua festa, pá
mas, certamente
esqueceram uma semente
nalgum canto de jardim.
Sei que há leguas a nos separar
tanto mar, tanto mar
sei também como é preciso, pá
navegar, navegar.
Canta a Primavera, pá
cá estou carente
manda novamente
Ana Flor do Lácio (25/04/2011)