A realidade bateu na minha cara ou o homem nu
Ontem, a realidade bateu na minha cara. A imagem de um homem nu deitado no batente de uma porta, em plena Rua Haddock Lobo, nº 77, em frente ao ponto de ônibus 239, me chocou. Poderia ser a foto de capa do jornal de hoje. Dura realidade da Cidade Maravilhosa - sede da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016.
"A pobreza é fotogênica." Surgia no fundo da minha mente a voz de uma velha professora de geografia, enquanto via aquela porta escura, com o homem negro fundindo-se nela como em uma pintura. Ah! Tinha que estar com minha máquina aqui. Rapidamente tiro o celular da bolsa e penso: "isso deve servir". Ao lado do homem, várias pessoas, absolutamente indiferentes, fingiam ou mesmo não o viam deitado ali. Estático. Dormindo tranquilamente, como quem dorme em sua cama. Sem chinelos, sem sapatos, sem sacolas, sem cuecas, sem nada. Apenas dormia deitado de barriga pra cima, as pernas encolhidas pela falta de espaço, como se o batente fosse uma cama pequena demais e a rua a sua sala de estar.
Tirei o celular da bolsa rápido, enquanto o ônibus não andava, e apontei para cena. Mas faltou-me coragem e sobrou tristeza, ética e indignação. Vi-me tirando daquele homem deitado, sem nada, a única coisa que lhe restava, sua imagem. Roubaria dele a única coisa que ele ainda tinha: sua intimidade. Parecia que olhando daquela janela do ônibus eu é que invadia o seu espaço, do mesmo jeito que seria invasivo tirar uma foto através da janela de uma casa, sem autorização, escondida, como um paparazzo. Ah... não gosto de paparazzo.
Fiquei parada olhando, sem entender a indiferença das pessoas, buscando alguém que estivesse vendo a mesma coisa que eu. Como um homem nu, deitado na rua pode ser algo tão normal? Tão insignificante? Incapaz de provocar nas pessoas o menor grau de estranhamento. Qualquer animal que estivesse deitado no mesmo lugar, magro, sujo, talvez causasse mais comoção. Não me entendam mal. Nada tenho contra os animais. Mas a cena toda me pareceu tão bizarra, tão inusitada, que não fiz a foto. Guardei a cena pra mim e usei o celular pra pedir ajuda.