Entre as palavras e o romace
Ouvi outro dia na TV certo escritor dizer: “Romances são nossas vidas diárias e comuns, a palavra é que faz a diferença” Fiquei pensando a respeito e sinceramente não achei saída entre concordar e discordar. Às vezes as palavras enfeitam o fato, noutras os fatos enfeitam as palavras. As memórias por sua vez por sua vez subvertem esses conceitos, e aí já não importam nem palavras nem romances, somente as doces recordações, sempre simples e doces. Por exemplo, meu primo Márcio quem não vejo, já há vinte e sete anos me é tão presente na doce poesia da memória. Seu jeito firme e decidido, sua maneira paterna de ensinar, isso ele poucos anos mais velho que eu. Passei esses longos anos de minha burrice para verificar o quão rico eram esses valores. Vou ainda mais pelas memórias; seu pai o saudoso tio Plínio, tinha ele o hábito de pintar os bigodes. Ainda o vejo à frente do espelho com uma velha escova de dentes tingindo pacientemente fio a fio aqueles danados que insistiam em se tornarem prata. Ali ele encontrava novamente a juventude, os anos perdidos sem querer, o espelho, o reflexo de sua alma a dizer-lhe que sim, que ele estava certo ao buscar energias novas e tocar a vida diária e difícil. E ele pintava e sorria a cada fio revigorado na cor supérflua do preto emprestado. Ele envelheceu pra valer, a doença não lhe deu novas chances. A família socorreu-lhe nos extremos da vida. Vi isso de perto em sua cama, mas só faltou uma coisa a acariciar-lhe o gosto. Poderiam ter-lhe pintado os bigodes pela derradeira vez... Não se importe meu saudoso, que hoje pinto meus cabelos. Em parte por minha vaidade boba, em parte pela sua lembrança, que esse seu gesto mostrou-me sempre um novo querer. Aqui em casa sempre riem da minha cor acaju, mas penso: Tenho certeza que ele iria gostar dessas novas tonalidades, dessas novas tecnologias, desse sempre tentar o novo.Romances são nossas vidas diárias e comuns, a palavra é que faz a diferença, disse o tal escritor.