O homem quem engoliu uma baleia no Sábado de Aleluia

O título deste post lembra os letreiros dos folhetos de feira. É para fazer refletir sobre um poeta chamado de “gabinete”, talvez um dos dois maiores do universo. Poeta de “gabinete” é o cara que escreve versos populares. Já o “gabinete” também pode ser um estilo de cantoria de repente.

Completou cento e vinte anos de nascimento do poeta popular João Martins de Athayde. Nasceu em Ingá do Bacamarte, no dia de São João, e morreu no Recife, em 59. Na capital de Pernambuco, montou gráfica e saiu escrevendo folhetos sobre os ocorridos do dia. Era o repórter do povo, mostrando a notícia com ironia e críticas aos costumes da época, nas sextilhas do cordel. Os romances de João Martins de Athayde ainda hoje são publicados.

O poeta escrevia, imprimia suas obras e cantava no meio das feiras livres, nas fazendas e onde fosse chamado. Gostava também de improvisar nas pelejas memoráveis. Conta-se que um dia se pegou com um cantador chamado Raimundo Pelado. Em certo momento, Pelado cantou:

Eu sozinho amarrei uma baleia/em um dia de Sábado de Aleluia/Desgotei o mar negro com uma cuia/me alegrando com o canto da sereia/o mar todo ficou seco na areia/fui forneiro na tenda de Vulcano/viajei por detrás do oceano/tudo isso eu faço sem trabalho/como é que agora me atrapalho/com esse pobre cantor paraibano.

JOÃO MARTINS DE ATHAYDE:

Lá no meio do túnel de Russinha/trem da serra descia em desfilada/com o tombo que dei na retaguarda/rebolei todo o trem fora da linha/atendendo um amigo que ali vinha/porque ele não podia ter demora/de um cardeiro eu peguei, fiz uma escora/fiz alavanca de dois cambões de milho/novamente botei o trem no trilho/maquinista apitou e foi embora.

João Martins de Athayde e Leandro Gomes de Barros são considerados os maiores poetas populares do Brasil em todos os tempos. Sua obra, calculada em mais de 300 folhetos, já vendeu mais de dois milhões de exemplares. Ariano Suassuna bebeu na fonte desses monstros sagrados da poética popular. “São legítimos representantes do Brasil em estado puro”, disse deles Carlos Drummond de Andrade. Perto da imensa fogueira do talento e da produtividade de João Martins, Zé da Luz é um vagalume na mata.

Em Sapé, a cidade faz festa o ano todo para lembrar Augusto dos Anjos. Ingá deveria pegar o nome de João Martins de Athayde e fazer dele cavalo de batalha para alavancar o turismo cultural. Mas falta mentalidade aos próceres ingaenses. Lá também tem pra mostrar um dos mais importantes monumentos arqueológicos do mundo, a Itacoatiara de Ingá. Com essas duas incomensuráveis pedras no jogo do turismo, qualquer cidade com um mínimo de estrutura, mas com tino e discernimento gerencial, estaria feita. Contando com a indulgência dos amigos ingaenses, tenho que afirmar que a renda per capita desse município só não aumenta significativamente por falta de vontade política ou capacidade gestora. Mas pano para as mangas Ingá tem, e muito. Meu compadre Vavá da Luz sabe disso.

Aqui em Itabaiana, somos berços de artistas do naipe de Sivuca e Zé da Luz. Pergunte onde é o memorial de Sivuca na sua terra. Onde está o museu da cidade? Cadê a estrutura para receber um mísero turista? A doença é geral e o remédio é mentalidade moderna para botar sangue novo na anemia do atraso.

www.fabiomozart.blogspot.com

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 23/04/2011
Código do texto: T2925552