Sobre a música João do Amor Divino - Gonzaguinha
Esta música está naquele que, para mim, é o melhor disco deste poeta genial que, como poucos, soube representar nosso povo em sua relação com a história.Gonzaguinha, em sua arte, não descrevia a história ou contava fatos em versos. Tal qual um simbolista ele captava a essência daquilo que ia representar e criava as imagens que descreveriam aquilo que pensava sobre determinada situação. Seu realismo não se torna anacrônico nem,tão pouco, um retrato de época porque ele falava dos sentidos e sentimentos possíveis do homem frente ao seu momento histórico. E isso não tem começo nem fim é humano e pronto.Nesta música, em especial, o elemento poético e seu propósito estão na forma em que, ao mesmo tempo, em que seu personagem é apresentado, vai criando as imagens e apresentando em simples versos questões que renderiam horas de debate. Neste caso, esta ideia fica flagrante quando a
chepa da feira não chega a estarrecer, as filas e a relação com a comodidade proposta pela ideia da proteção (ou recompensa) divina.Seu “bilhete mal escrito”, também não é uma simples oração a ser musicada. Bem como, o verso “ele se mexeu” que aparece isolado tanto na letra impressa como na música a fim de dar o toque mágico do enredo.Enredo este, que guarda para o final uma maravilhosa surpresa quase fantasiosa onde o homem se levanta depois de ter sua tragédia pessoal servido de entretenimento para os indiferentes transeuntes
(isso também geraria horas de discussões). O fato de ele se levantar em oposição à opção natural que seria sua morte é o elemento poético que dá sentido à proposta do artista de representar o ciclo trágico de miséria e sobrevivência do trabalhador brasileiro que é obrigado a se valer de toda a sorte de “malabarismos sociais” chegando ao extremo máximo que neste caso é tirar vantagem do desesperado suicídio para garantir sua sobrevivência (esta é uma contradição que valeria toda atenção deste espaço). A música não conta com as belas melodias que marcaram a obra de Gonzaguinha. Entretanto, vale ressaltar que as melodias de suas músicas acompanham, em sua maioria, o sentimento pertinente ao que apresenta a letra e o enredo que por sua vez alterna momentos mais tensos e mais suaves ao sabor da ideia apresentada. Esta não é uma das músicas mais consagradas do artista, mas é uma das mais emblemáticas para a compreensão da proposta estética e Gonzaguinha e a relações sociais tão marcantes neste conturbado período político e social de nosso país.Para ouvir estas e outras músicas clique aqui
Do álbum: Gonzaguinha da Vida (1979) - EMI/ Odeon.