O Contribuinte Sem Alma da Receita Federal
Esta carta é, carinhosamente, escrita e dedicada:
Aos Excelentíssimos Senhores do Governo.
Aos Excelentíssimos Senhores da Receita Federal.
Aos Excelentíssimos Senhores Senadores.
Aos Excelentíssimos Senhores Deputados.
Aos Excelentíssimos Senhores Banqueiros
Senhores, senhoras e senhoritas.
Paraguai, abril de 2011.
Assaltaram-me! Levaram meu dinheiro numa boa, sem xingamentos, sem palavrões, sem piedade, sem trezoitão. É até um luxo ser roubado assim, estou honrado, excelentíssimos. Fui furtado por gente de terno e gravata. Gente elegante, com gel no cabelo e tudo. Nem me olharam na cara. Aliás, foi tudo virtual. Bastou um sujeito de cabelos brancos clicar num botãozinho do computador negro e eu adquiri uma dívida com o governo, aliás, com a receita federal. Que também se exploda, pra mim é tudo a mesma coisa! Estou devendo, e não é pouco. Excelentíssimos senhores, são dois mil reais. Pra quem reclamar? E vem cá, pra onde vai meu dinheiro? Foi tudo tão rápido, tudo muito instantâneo. Todo o ano é assim. Fiquei com raiva do meu contador. Há ainda quem diga, a me consolar: “Mas podes parcelar em até oito vezes, só tem um jurinho em cima, um por cento ao mês” e outros: “Roger, pague numa boa, ficar devendo é pior”. Mas sabe o que eu queria nesse exato momento? Não pagar. Ir a uma revenda de automóveis, pegar um carro popular (sim, porque não me financiariam um carro importado) e fugir pro Paraguai, viver na ilegalidade, ser um forasteiro. Gostaria agora poder dever pra essa tal receita federal, dever também pro banco, pra dois ou três agiotas. Ser um caloteiro, um bandido. Ser talvez até procurado. INTERPOL, FBI, BOPE. Mas não, fiz tudo errado! No Brasil quem trabalha paga caro. Quem trabalha precisa contribuir pro governo, pra receita. Tudo bem, mas fico a me perguntar, contribuo, e em troca o que me vem? Segurança? Se um bandido, agorinha, inventa de entrar em minha casa, roubar ela toda, matar meia dúzia e se mandar, terei segurança? E saúde? Se neste momento eu tiver um infarto agudo do miocárdio (é feriado, e são 18 horas da tarde), terei um cardiologista pelo SUS, de prontidão, para me atender? Meus filhos, que ainda hei de ter, estudarão e terão boa educação na escola estadual na esquina da minha casa, aquela dobrando o beco? Pergunto, logo eu mesmo respondo: Não! E porque não? Ainda contribuo pouco?
Paguei caro, na verdade dois mil, por não ter tido filhos, não ter precisado de médico, não ter realizado exames, nem obtido receitas. Paguei também por ter trabalhado demais. Agora, mais uma vez, tenho um carnezinho do governo pra pagar, um tal de DARF, com um brasão simpático. Nem lembrançinha de páscoa me enviaram, um coelhinho. Agora, por oito meses, vou contribuir com dez por cento do meu salário. Entrei pra igreja do “Reino dos Contribuintes Babacas”. Não bastasse a gasolina que pago, o IPVA, o IPTU, o INSS, os impostos sobre a minha alimentação, sobre a água, sobre a luz, sobre o telefone, os pedágios... Não, não bastou. Precisei contribuir com mais umas quireras.
Ainda que esse pouco dinheiro, muito pra mim, pois trabalharei para consegui-lo, fosse para os que não tem comida, ou moradia, ou para os enfermos. Ainda que fosse para alimentar bocas famintas, para ajudar a construir hospitais e escolas, para afagar os que sofrem. Mas não, infelizmente, meu dinheiro irá para os estádios da Copa do Mundo, para os cargos de confiança, para as diárias, para as viagens, para os caixas dois, para as cuecas de alguém, para os filhos de outros, para os mensalões, para tudo, que não me interessa, e que não cabe a mim questionar.
Enfim, excelentíssimos senhores, todos, tão recatados, vós vos catais.