Sexta da Paixão
Dizia-me um idoso sacerdote que a vida é mais breve do que uma lágrima. Concordo. E citando São Paulo aconselhou-me "saber usar deste mundo", observando a transitoriedade das coisas, o perecimento dos frutos, dos animais e do homem. E tal conselho ficou martelando como uma estrofe deste poema que é a vida. Que não transcorra por transcorrida...
A fé cristã na sexta santa que antecede a Páscoa celebra o fim da vida terrena de Jesus. Associando-a à limitação do tempo e o uso que dele fazemos fazer para alcançar a amizade definitiva de Deus, transcrevo um trecho de Fernando Sabino, embora em tom extremamente melancólico:
" Eis pois o fruto de minha experiência, colhida num fruto das mãos de Deus: daqui a algum tempo, não importa se alguns minutos ou alguns anos, daqui a algum tempo hei de me lembrar, quando chegar a minha hora... foi naquela noite, depois do jantar, sózinho em minha casa e esquecido de meus cuidados, já no fim da mocidade, enquanto comia uma pera, que pela primeira vez aceitei a idéia de morrer."
Pelo visto, resta acrescentar que não nascemos para morrer, mas para ressurgir, pois o escritor, diante de sua perplexidade, não admitiu mais nada após a morte, nesta bela crônica "Ao comer uma pera".
Quando faço a barba, já sinto que o espelho me devolve um rosto marcado, um olhar somado a de tantos outros, que me leva a pensar como Santo Agostinho: "Não me escondas o Rosto. Que eu morra para o contemplar, a fim de não morrer eternamente." (Confissões, Livro I).
Nesta sexta-feira da paixão, só peço a Deus que a mocidade ao assumir a maturidade, não me deixe de arder pelo Ser que não morre. É a minha reflexão na proximidade da celebração da redenção pascal. Desejo ter pensamentos de confiança apesar dos pecados. Não é só o pecado que "molesta" a Deus, senão, muito mais, a nossa falta de confiança.