Viktor and Vitor
Dois dias haviam se passado depois daquele estranho incidente na piscina do Colégio Hunter, desde o fato, Viktor estava a evitar Vitor.
Viktor não queria vê-lo, acima de tudo tinha medo de vê-lo como de tal forma um cervo tem medo de um leão ou uma pequena criança tem medo de um lobisomem ou do famoso Bicho Papão. Contudo, o mesmo não podia dizer-se de Vitor, que mesmo confuso pelos fatos ocorridos naquela piscina, ele sentia que Viktor fazia parte da vida dele. Embora houvesse controversas sobre tal sentimento, era impossível não notar que a falta da presença de Viktor fazia com que faltasse algo em Vitor.
Mesmo sentindo o mesmo, já sabendo o que queria e o que sentia. A certeza do que era, a certeza de saber o que sentia e aceitar isso. Mesmo assim, isso tudo não trazia segurança a Viktor, muito menos a coragem de olhar novamente nos olhos do amado sem que os próprios olhos se envolvessem em lagrimas que poderiam ser vistas e decifradas, como o enigma da esfinge.
Mesmo tendo se passado dias do tal incidente algo ainda impedia Viktor de ver Vitor, em todos os corredores, em todas as aulas, em todos os intervalos, sempre e a toda hora Viktor evitava Vitor, às vezes frente a sua janela, olhando atentamente as estrelas ele chorava ao pensar que provavelmente nunca teria forças para ficar face á face com o garoto. Varias vezes pensara em mudar-se de escola, apenas para não mais ter de fugir todas as vezes que avistasse a silhueta robusta de Vitor, apenas para não mais sofrer com sonhos e desejos que com absoluta certeza de sonhos não passariam. Mas então qual o motivo daquilo ter acontecido naquelas frias águas? Por que fora tão impulsivo movido apenas por desejos e amores a muito guardados. Ele não agüentava mais vê-lo todos os dias, sorrir ao ver seu sorriso, olhar em seus olhos castanhos médios, seus cabelos negros, não tão curtos e nem longos de mais, apenas a um comprimento no qual ele conseguia arrepiar tais fios a uma altura de sete centímetros. Não poderia mais suportar ver aquela pele clara com seus lábios deliciosamente rosados, os dentes brancos e perfeitos, de tudo em si, sua boca era o que chamava mais atenção por sua incrível beleza e perfeição. Um dos motivos para não suportar aquele terrível impulso foi esse, aquela boca tão maravilhosamente linda, ele queria tocá-la, queria senti-la junto a sua, explorar cada centímetro da mesma.
A cada instante a lembrança daquele momento se tornava mais nítido e significante para Vitor. Ele não prestara a mínima atenção na aula, mesmo tendo a histérica professora de geografia a sua frente. Era como se não estivesse ali, seus pensamentos estavam todos fixados naquela piscina.
Ele ainda lembrava-se de cada palavra, de cada olhar e de cada gesto. Era como se estivesse vendo um filme, um filme que sempre, ao chegar a seu respectivo final, voltava ao inicio para, mais uma vez, ser repetido e admirado. Ao lembrar, mesmo sem perceber, ele sempre estava a sorrir; um sorriso repleto de doçura, algo que encantaria qualquer mulher.
- Por que ainda estamos aqui?
- Porque está calor e eu gosto de água. Algum problema nisso?
- Não, é que esta meio tarde.
- É só uma da tarde!
Vitor estava na piscina do colégio, seus cabelos negros brilhavam ao toque suave dos raios de sol que passavam pelo teto de telhas transparentes da quadra. Já Viktor contentava-se em ter apenas pés e calcanhares envoltos a água. Ambos trajavam sungas de banhos.
- Alias – Vitor continuou – deve estar fazendo o que, 37 ou 38 °C?
- Por ai.
- Você devia entrar aqui, tá o maior calor.
- Acho que não, depois vou ficar todo enrugado, como você.
- Hum. Me ajude a sair então. – disse estendendo o braço ao amigo. Viktor segurou firme a mão de Vitor que o puxou com força para dentro d’água.
- Vitor!
- Assim esta melhor. – sorria.
As mãos ainda juntas, Vitor parecia ainda mais belo molhado, o rosto sorridente pela peça pregada no amigo. Viktor o encarava, o rosto levemente corado. Varias vezes abrira a boca para dizer algo, mas sempre a fechava sem proferir palavra alguma. E então, sem breves avisos ou insinuações, ele tomou para si os lábios do garoto a sua frente, aqueles lábios deveras atraentes e de aspecto tão macio... O delicioso aroma de Halls de hortelã com baunilha trazia ainda mais desejo e paixão por aquele simples pedaço de céu, um ébano de doçura e encanto.
Embora Vitor não correspondesse o beijo, só o contato dos lábios já satisfazia Viktor de uma maneira nunca imaginada, nunca antes pensara que um dia sentiria o sabor dos lábios do amado, nunca antes pensou que teria a real coragem de beijá-lo, tendo o risco de perder a amizade, de nunca mais poder vê-lo, estar junto a ele. Mas, após alguns segundos, o que fora uma maravilha, um sonho realizado, tornou-se um pesadelo, o medo e a insegurança pareciam ter retornado a Viktor, pensamentos sobre reações e decepções lhe faziam querer nunca ter beijado-o. A única coisa que fez, a única coisa que teve forças de fazer foi deixar os belos lábios a sua frente, e fugir, deixando Vitor estupefato, levando a ponta dos dedos aos lábios.
-Vitor... Vitor!
- Sim professora?
- Vai prestar atenção na aula ou continuará com essa cara de perdido?
- Desculpe.
A aula não demorou a terminar, Vitor tentou prestar atenção o Maximo que pode. Ao final da aula ele olhou para trás, na esperança de ver o amigo e o viu, em seu canto como de costume. Estava ao lado da janela e para a mesma estava a olhar, exceto pelo momento em que olho na direção de Vitor, seus olhares cruzaram-se por um momento, um breve momento que foi destruído pela saída momentânea de Viktor da sala.
Vitor ainda tentou acompanhá-lo, mas fora pego de surpresa por uma garota que lhe veio devolver um lápis que ele emprestou a garota, veio também convidá-lo para uma festa, creio que o verdadeiro motivo daquela aparição foi mais pelo convite a fazer do que pelo lápis. Quando Vitor se viu livre a professora encontrava-se na sala de aula, e mais ninguém poderia sair sem sua respectiva permissão.
- Professora Carla.
- Eu.
- Posso ir ao banheiro?
- Não.
- Por favor. – insistiu Vitor.
- Só se acertar essa pergunta.
- Qual? – perguntou desejando a saída daquela sala.
- Uma parede de 3 metros de altura e 4 de comprimento foi revestida por azulejos, num total de 300 peças. Qual é o perímetro de cada azulejo? – sorria com deboche. A professora Carla era uma ótima matemática, mas sabia quando e como irritar.
- 3 e 4 metros... – ele ficou cerca de dois minutos pensando e respondeu com confiança – O perímetro é de 60 centímetros.
- Hum. Mas você demorou muito, agora me responda: O circulo é uma figura geométrica plana. Todos os triângulos e retângulos são semelhantes. O triangulo é um quadrilátero. Quais afirmativas estão corretas?
- Só a primeira.
- Você é bom, mas não vai sair da sala.
- Mas professora, a senhora disse que se eu respondesse uma pergunta me deixaria ir, e eu ainda respondi duas perguntas e acertei ambas! – exaltou-se, precisava ir até Viktor, ele mesmo não sabia o porquê.
Diante ao apoio de alguns alunos a Vitor, a professora cedeu que o mesmo saísse da sala por alguns minutos, agora só lhe faltava saber onde Viktor estaria. Depois de um tempo procurando ele descobriu aonde ir.
Olhava atentamente para a água que banhava seus pés, tão cristalina, tão tranqüilizante, mas não tão cheia de sentimentos quanto a que saia dos olhos do garoto. Quase se podia dizer que a água que movimentava-se levemente era a mesma que se encontrava no rosto do rapaz. Estava tão absorto em seus próprios pensamentos que se quer percebeu a presença de alguém a mais no local. Só olhou ao redor quando pensou ter escutado o som de algo cair ao chão, era o tênis de Vitor, que já se encaminhava a beira da piscina junto a Viktor que enxugou rapidamente os olhos com o dorso da mão.
- O que faz aqui? – perguntou a um Vitor já sentado com os pés sobre a água.
- O mesmo que você. – disse olhando a frente.
- Nem sabe o que estou fazendo – disse olhando para os pés.
- É verdade.
Alguns minutos se passaram em silencio, Viktor continuara olhando fixamente para os próprios pés. Até que ele mesmo quebrou o silencio:
- Olha me... Me desculpe pelo que aconteceu na segunda. Eu... Eu...
- Alguma vez eu pedi que se desculpasse? – falou secamente. – Alias, não pedi nada a você nesses últimos dois dias. Evitava-me a todo custo.
Viktor prosseguiu em silencio por mais alguns minutos ainda com o rosto baixo.
- Por que esta fazendo isso? Por que esta aqui? – com o rosto baixo prosseguia sem parar – Eu já pedi perdão, não quero tocar nesse assunto, não posso mais. Juro que não queria ter feito aquilo, foi mais forte, mais impulsivo. Sei que na verdade não quer me ver nem pintado de ouro por Da Vinci.
- Se eu não quisesse vê-lo, não o teria procurado, ou mentido para vir te encontrar, ou discutido com a professora para poder sair da sala.
- Por que fez tudo isso? Garanto que outros garotos como você não fariam isso, na verdade iriam querer distancia de mim.
- Como eu?
- É. Simpáticos, bonitos, com lábios tão macios... – ele perdeu-se por um momento, a lembrança do sabor de tais lábios, o pensar em não mais tocá-los... Quando voltou a si tinha sua face frente à face de Vitor que segurava seu queixo para que não o tirasse a face de sua frente.
- Quer saber porque estou aqui? Eu mesmo não tenho certeza do porque, a única coisa que sei é que eu gosto de você, que eu quero estar perto de você e que não tinha percebido isso até o dia em que você beijou-me e deixou-me sozinho nessas mesmas águas que agora banham nossos pés. Também sei que você, de alguma forma, me traz uma felicidade que não sinto quando estou junto a mais ninguém, você me preenche, e às vezes, algumas vezes eu... Eu quero abraçar-te e segurar firme de uma forma que você nunca fuja de mim. Mesmo escondendo essas vontades, elas sempre estiveram presentes, e acho que sempre estarão.
- Por que esta dizendo essas coisas? – Viktor tinha os olhos marejados.
- Porque... Porque eu acho que amo-te, e se isso me torna diferente, se isso vai fazer com que outros se afastem de mim, com que Cindy Cannon, a garota com quem você disse que eu devia ter ficado nunca mais olhar em minha face ou não me convidar para mais nenhuma das suas festas idiotas as quais eu nunca vou mesmo, não me importa, eu não sei ao certo o porque, mas mesmo assim não importa. A única coisa que quero é estar ao seu lado, sempre estar com você. – ele falara sem respirar, olhava fixamente para Viktor.
Com os olhos também marejados ele soltou o queixo do rapaz a sua frente e esperou que ele dissesse algo. Mas isso não aconteceu ao invés disso um ato disse tudo que poderia dizer, um abraço apertado e carinhoso levou ambos para dentro d'água, onde trocaram um beijo que mostrara com absoluta clareza o que ambos sentiam, mas poucos chegavam a entender.