Um lago.
Encaro plácido lago, vejo nele dois reflexos. Meu rosto surge, olhar triste na água que faz a imagem oscilar brevemente. E vejo dentro de mim, o lago, ou na verdade seu centro, negro e estático, que se encaixa perfeitamente em meu peito. Agacho-me na grama úmida, e com a ponta dos dedos, perturbo levemente a água em calmaria, minúsculas ondulações rumam para longe de mim. Vejo o movimento na água, viro meus olhos para dentro de mim, tento repetir o processo em minhas paradas águas, em vão. Como tudo permanece o mesmo em meu interior, plácido e morto, ignoro o ambiente inóspito e me foco no mundo de fora.
Corro as margens, que à noite mal tem cor ou forma, se mergem com a linha d’gua, não me incomodo se, por ventura, ela ultrapassar e pelo lago ser engolido. Não por almejas a escuridão em seu profundo leito, ou um fim por longa asfixia, mas por saber que não importando quão profundas, escuras e gélidas sejam as águas que venham a envolver-me, delas me desvencilho. Claro que cada imersão neste breu, custa-me mais alcançar a superfície, e a cada jornada, trarei algo do fundo lamacento, grudado em mim. Quando dou por mim, estava a encarar, inconscientemente, o que dentro de mim reside, tomado por asco, paro de fazê-lo. Não é noite, a relva é verde, um barro cor de argila a separa das águas belas e dum verde-esmeralda do lago que reluz ao Sol. Sento numa pedra que se interpõe em meu caminho, sinto-me exausto, num breve bater de coração, foram-se minhas forças, o que numa breve caminhada por pastos como estes, é deveras inusitado. Me recordo do lago, que tem leito em meu coração, de quantas vezes imergi em suas fétidas águas, e repenso algo que até então tinha como certo. Tendo em conta o esforço excruciante que me foi necessário fazer para vencer o cálido abraço da escuridão submersa da última vez, ponho em cheque minha capacidade de tornar a fazê-lo.
Sem ao menos perceber, vou passo após passo aproximando-me do lago que me convida carinhosamente à aventurar-me em seu duvidoso cerne. Um pé some na água, qual lago é este que adentro, se é aquele que reflete a luz do Sol, ou se é o outro, que reflete a opacidade do meu ser, não sei. Coloco o segundo pé ao lado do primeiro, e lanço-me à ele, ou quem sabe, tenha sido empurrado por mãos repletas de vileza, não sei dizer.