LÍNGUA PORTUGUESA

O “LAVA JATO” E OUTROS ACIDENTES GRAMATICAIS

Nelson Tangerini

Há anos venho pensando em escrever uma crônica para o jornal, alertando sobre um “erro” gravíssimo de língua portuguesa que está em vários postos de gasolina desta cidade que um dia há [verbo haver] de voltar a ser maravilhosa; um descuido que há muito me preocupa: o “Lava jato”.

Os “lava-jatos” pululam por toda a nossa cidade, deixando o escritor deveras preocupado, porque que tal desconhecimento linguístico poderia causar um desastre seriíssimo, de maiores proporções, pois é um acidente gramatical muito mais grave do que aquele da Ponte Rio-Niterói, quando um letreiro anunciava, em julho de 2000: “Estamos ‘a’ quase um mês sem acidente”.

Voltando aos nossos “lava jatos” - e há, também, quem escreva “lava-jato”, com hífen -, imaginem, senhores, se um piloto de avião resolve lavar o seu jato num posto de gasolina desta populosa cidade! Quantas casas destruiria? Quantas vidas ceifaria? Haveria mais uma tragédia. Então, seria mais lógico escreverem Lava a jato? Sim, porque os carros são lavados com jatos d´água. Pelo menos foi assim que os meus velhos mestres de Língua Portuguesa me ensinaram na escola.

Há ainda outros deslizes por toda a cidade; há, por exemplo, quem ainda insista em usar Entrega a domicílio ou Entrega à Domicílio, quando a regência nos obriga a escrever Entrega em domicílio.

Acho mesmo que deveria haver uma punição severa para todos aqueles que escrevem pérolas gramaticais em muros e letreiros do Brasil; para todos aqueles pouco chegados à acentuação; para aqueles que exageram nos acentos [e crases]; e para aqueles que vomitam pérolas antológicas em campanhas eleitorais, no jornalismo radiofônico ou televisivo.

Já vi vendedores de “côco”, de “angú”, torcedores do “urubú” e ônibus que nos levam a “Bangú” ou ao “Cajú”.

Caminhava, certa vez, pela Praça da Bandeira, quando deparei-me com uma frase cristã muito interessante: “Jesus e o Senhor”. Como já estou a caminho dos 60, imaginei, comovido: “Jesus e eu”. Pensei: Estou em boa companhia; não serei mais assaltado, nem atropelado; e viajarei sem medo nesses ônibus loucos que voam pela cidade.

No jornalismo, por exemplo venho percebendo que alguns profissionais vêm tentando eliminar os adjuntos “a”, “as”, “o” e “os”, em “Toda a” e “Todas as” [Ex: Todos brasileiros temem a dengue, Todas mulheres devem fazer preventivo ou Toda equipe estava mal em campo] ou desconhecem o futuro do subjuntivo dos verbos Ver e Vir [Ex: Se você ver o totó perdido no aeroporto... ou Se ele vir a treinar amanhã no clube, ...] .

Nunca se maltratou tanto a língua de Camões, Machado de Assis, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade e Cartola.

Concordâncias verbal e nominal não existem mais. Ninguém respeita mais o plural. Se o verbo estiver, por exemplo, anteposto a um sujeito composto ou pluralizado, a concordância verbal não é feita [ex.: Foi dois alunos que me avisaram do fato ou Os papeis tá em cima da mesa].

Na Piedade – piedade! -, vi a palavra “suspenção”, com “ç”, numa oficina mecânica; numa cidade do interior do Espírito Santo, meu irmão mais velho, Nirton, que é biólogo [não é estudioso da língua, prefere estudar as borboletas], encontrou esta pérola: “Faiz se uia”, traduzido por ele como “Faz-se unha”.

Tenho vontade de sair fotografando algumas placas de nosso querido país. “São tantas emoções!”

O pior de tudo é ainda ouvir “pra mim ir”, “pra mim fazer” em pleno século XXI [2011].

Mas os linguistas, me darão uma reprimenda e dirão que não há “erro”, que estou diante da linguagem coloquial de um povo muito criativo. Concordo, em parte. Os Modernistas brincavam muito com esta possibilidade. Oswald de Andrade, em “Erro de português”, nos dizia que falamos uma língua imposta pelos colonizadores portugueses e que seria tudo diferente se o português houvesse chegado num dia de baita chuva. “Ó rude e doloros idioma [...]!

A língua culta, porém, é exigida, ainda, em concursos públicos, no vestibular, nos escritórios, onde disputamos um lugar de destaque; o padrão culto é uma questão de cidadania. Quando temos um domínio pleno de nossa língua, nossa identidade maior, sabemos lutar pelos nossos direitos; não somos mais enganados por políticos chegados à pilantropia; não aceitaremos uma “eugenia”.

Espero que o “lava a jato” perto de minha casa lave apenas carros e motos; e espero que minha crônica nos leve a uma polêmica daquelas...

NELSON TANGERINI, 56 anos, é escritor, jornalista, poeta, compositor, memorialista, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], da ABI [Associação Brasileira de Imprensa, da ALB [Academia de Letras do Brasil] e da UBE [União Brasileira de Escritores, www.ube.org.br] .

nmtangerini@yahoo.com.br, nmtangerini@hotmail.com

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 20/04/2011
Código do texto: T2919951