A PARIS QUE EU VI

Realmente, a vida é por demais curta para quem, tendo ótima saúde tanto física quanto mental, condições financeiras e sonhos que ultrapassem os meros limites de fronteiras de somenos importância, de pequenina expressão por assim dizer, não pretenda nem se aventure a visitar e descortinar, ao menos uma vez ao longo de sua existência terrena, a exuberância e o fascínio de Paris, a metrópoles que todos, sem qualquer sombra de dúvida, gostariam de conhecer. Porque é bem certo que o esplendor dessa cidade exerce sobre nossos devaneios um fascínio inexplicável, um quê de fantasia e deslumbre que somente as perspectivas mais imponderáveis podem definir. Alguém duvida disso?

Paris é mesmo uma interminável festa, como tão bem definiu o escritor Ernest Hemingway, um diuturno baile onde os pares deslizam flutuando feito borboletas sobre as flores nos jardins. É alegria se espalhando em derredor, aqui, ali e alhures. De modo que qualquer expectativa humana, por mais estonteante e inesperada que seja, se desfaz em milhões de surpresas repentinas diante da realidade exposta aos olhos de quem debuta pelas ruas, avenidas e ruelas da sempre maravilhosa e misteriosa Cidade Luz.

Estar em Paris é concretizar o mais estupendo dos desejos que não se espera realizar, é perambular sem rumo por entre os difusos e inúmeros meandros dos sonhos mais apaixonantes e tresloucados, no melhor sentido que essa afirmação especial possa transmitir, é sentir-se levitando sobre o imponderável e o inexequível, é transcender qualquer súbita explosão de feliz loucura do coração endoidecido, é sentir um rompante de paixão que já estava latente na alma e no espírito de quantos obtém a benção de abraçá-la antes de lá por os pés. Em vontades semeadas por anos, em anseios cultivados dia após dia. É inegável que ninguém, mas realmente ninguém mesmo, escapa à aura e ao brilho que se fazem perceptíveis no estilo, no mistério, na beleza e no esplendor de Paris.

À guisa de quase parâmetro definitivo é factível afirmar que tudo em Paris, essa verdadeira capital do mundo, por obra de algo acima de nossa vã interpretação e de alguma forma incompreensível ao nosso perecível compreender, mas singularmente impressionante, encanta, surpreende e cativa o visitante neófito que ali aporta e sem perceber vai se extasiando com tudo que vislumbra. A começar por seu próprio universo meio mítico e o que esse fantástica cidade representa para o planeta como um todo e a Europa em particular. Então, assim é, porque Paris se destaca em cada minucioso espaço de seus contornos, em cada ponto de suas paragens, em cada referência, esquina, bairro, monumentos, em todos os milhões de fragmento de seu ser. E essa afirmação está muito bem caracterizada na essência de seu povo, de atitudes e gestos peculiares e, por vezes, inusitados, porém de igual forma transmitindo, às vezes por instantes, e a seguir, como por magia, outros momentos de contagiante simpatia traduzida no idioma considerado o mais romântico de todas as linguagens universais.

Contudo, muito além disso Paris é eclética e exibe aos visitantes o esplendor de seu conhecimento de alto nível por intermédio de sua reconhecida cultura universal, tão vasta em todos os sentidos cognitivos, onde se destacam e brilham luminares da estirpe de Voltaire, na filosofia, Monet, na pintura, e Émile Zola, na literatura, entre outras tantas figuras ímpares do saber francês. A História da Humanidade sempre bebeu do conhecimento francês e dele se alimentou e se alimenta ao longo das eras.

Por outro lado, e são tantos para ver, captar e viver, acende e altera a emoção de qualquer vivente sua vibração incomum e constante, também capaz de agitar em alto grau até o mais circunspecto dos turistas, levando-o a transpor barreiras de timidez que de outra maneira seria impossível ultrapassar. Por sua diuturna vivacidade e entusiasmo refletida nos sorrisos e trejeitos de milhões de corações dominados pela força poderosa do romantismo; pelo impacto a nos deixar sem fôlego de suas formidáveis luzes feéricas, intensidade que lhe valeu o merecido título de Cidade Luz, fazendo a noite parecer dia ensolarado e iluminando a abóbada celestial que lhe é teto infinito; por seu rio famoso, o Sena, de tantas histórias e dezenas de pontes, cada uma com seus próprios acontecimentos registrados nos anaisparisienses; por seus inúmeros, cultos, enormes, vetustos e inconfundíveis museus, mormente o monumental Louvre com seus dezesseis quilômetros de galerias, tão garboso na arte de sua arquitetura quanto nas milhares de peças de inestimável valor de seu acervo, entre tantos outros museus, centros históricos e o Pantheon, lugares onde adentramos com reverência e sede de conhecimento; pela elegante, charmosa, bela e de metro quadrado deveras caríssimo, Avenue des Champs Elysees e tudo de extraordinário que ela representa para os parisienses e o mundo; por seus jardins exuberantes, de rara beleza, onde impera uma espécie de ar em que a paz e o romantismo parecem saltar aos olhos e abraçar as pessoas; pela Catedral de Notre Dame, a Sacré Coeur, a Torre Eiffel que se metamorfoseou na alma de Paris, o Arco do Triunfo, outro marco inconfundível da França; e ainda também por sua famosa gastronomia de sabores, temperos e toques pessoais inigualáveis; por tudo enfim que somente em Paris há possibilidade de encontrar, ver, sentir e viver.

Contudo, sendo habitada por uma grande variedade étnica, mistura de raças que transforma a metrópolis parisiense num imenso caldeirão de idiomas, hábitos e costumes diversos, muitos deles certamente inusitados, praticamente é possível testemunhar em Paris cenas as mais absurdas no cotidiano desse multifacetado recanto da terra. Como as mendigas debruçadas sobre as calçadas em posição humilhante, ao rés do chão literalmente, suplicando esmolas; os cantores anônimos tocando instrumentos musicais e soltando a voz esgoelados, os dançarinos saltitando, dançando, sapateando ou rebolando ao som de potentes músicas que se escutam à distância; os mágicos e prestidigitadores, as estátuas vivas em meio ao povo que fotografa ou fica indiferente, todos de tudo fazendo com esforço inumano para ganhar uns trocados.

Nesse semilouco emaranhado incongruente nos deparamos também com os porra-loucas estatelados aqui e ali a conversar consigo mesmos, com seus fantasmas e até com garrafas às quais chamam de filhas; vemos os muito doidões drogados distribuindo sorrisos a troco de nada enquanto seus cães igualmente chapados permanecem numa mesma posição, deitados, sentados ou consoante seus donos os movem de um jeito ou de outro, durante horas; e, assustados, nos afastamos dos marginais golpistas que perambulam de um canto a outro, mormente pelas aglomerações de turistas, tentando aplicar golpes já bastante manjados, mas infelizmente eficazes por vezes, tipo o golpe do anel(o meliante surge na rapidez do vento ao lado do incauto, joga o objeto no chão, diz que o achou afirmando ter caído do bolso da vítima e de tudo faz para provar isso e receber recompensa), e o da jaqueta(o bandido está sempre num carro, chama o turista e, disfarçando a voz com rasgos de tristeza ensaiada, assegura estar em Paris participando de um evento de moda, naquele momento estando perdido e sem dinheiro por alguma razão mentirosa e deseja vender a jaqueta de "marca" para conseguir voltar ao seu país ou cidade).

Além desses há os travestidos de doentes, curvados, rostos angustiados, sempre acompanhados de uma cúmplice segurando-o com um braço e portando um papel sujo rabiscado com algum texto fajuto sobre a "enfermidade" do larápio. Ambos são vistos, depois, nas proximidades, rindo dos infelizes que os ajudaram e andando normalmente com a maior cara de pau. Os mais perigosos, no entanto, são os de Montmartre, nas proximidades da Igreja Sacré Coeur, que agem assim: geralmente são quatro malandrões, um já bastante maduro com ar de velhinho simpático, bonzinho e boa praça, mas que na verdade é uma serpente venenosa, cujo papel é o principal na quadrilha por manipular três peças sobre uma mesinha debaixo das quais esconde algo aos olhos dos passantes, tira, torna a esconder num e outro, embaralhando e trocando tudo de lugar rapidamente para atordoar e enganar quem for idiota bastante para deles se aproximar; dois são enormes guarda-roupas, os seguranças do malfadado "bom velhinho" com seu "jogo inocente"; e o quarto geralmente é uma mulher com notas de cinquenta e cem euros que simula estar jogando e ganhando um dinheirão por descobrir onde o "bom velhinho" escondeu o objeto entre os três por ele manuseados. Quem fizer a bobagem de se achar esperto e, ganancioso, achegar-se para jogar porque acha que sabe onde o velho serpente venenosa escondeu a coisa por ele manipulada, vai ser roubado até o último centavo.

Presenciei por três vezes turistas indianos e americanos e seus familiares gritando irados contra os malfeitores, por terem perdido seu dinheiro, e sendo brutalmente agarrados e empurrados pelos grandalhões da quadrilha. A mulher de um deles se esgoelava dizendo que o marido havia sido enganado e roubado, exigindo seus euros de volta, mas tanto ela quanto o marido e a filha eram grosseiramente empurrados e xingados pelos brutamontes. Na confusão, não sei como nem porque milagre, as vítimas conseguiram reaver duas cédulas de cem euros, dando a impressão de que haviam perdido muitas delas. Isso tudo sob as vistas da multidão e dos comerciantes dos dois lados da estreita rua. Perguntei a um deles por que a polícia não intervinha, e ele respondeu com um sorriso malicioso e indiferente. Portanto, todo cuidado é pouco para não cair nas malhas desses bandidos em Paris.

...cont.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 19/04/2011
Reeditado em 19/04/2011
Código do texto: T2917499
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