A GRANDE GREVE DO PÓLO PETROQUÍMICO DE CAMAÇARI – UMA HISTÓRIA DO BRASIL (3)

[Em 1971 fui cursar o colégio (segundo grau) no Colégio Estadual Duque de Caxias, no bairro da Liberdade, do qual eu tenho muito orgulho. O Duque de Caxias me deu “régua e compasso”. Estava entre os melhores colégios da cidade e o corpo docente da escola preparou um sistema de ensino em que mostrava que todas as matérias se inter-relacionavam. Isso em plena ditadura! Para alguns, isso foi o começo da desconstrução do ensino no Estado, mas tínhamos noções de política e inclusive dentro do “curriculum” de música, o colégio promovia festivais. Neste tempo conheci os colegas Zug Almeida e Jorge Taime. Jorge Taime era cantor, compositor e compunha músicas que provocavam “cortes” da censura, inclusive constantes invasões do colégio pela polícia. Zug Almeida, um dos companheiros mais politizados da época, posteriormente foi colega no Pólo Petroquímico (NITROCARBONO) e companheiro (demitido) por força da grande greve de 1985. Paralelamente, a partir de 1972 fiz o curso técnico (eletrotécnica) na Escola Técnica Federal da Bahia (CEFET / IFBA), outra grande escola.]

O PCB quando foi proibido pela ditadura de atuar abertamente não se deu por vencido. A partir de então o “partidão” passara a agir com mais perspicácia na clandestinidade. Alguns dos seus componentes partiram para a luta armada enquanto que outros procuraram de forma pacífica organizar a luta dos trabalhadores, recrutando-os ou reorganizando e fundando novos sindicatos, como foi acordado no seu VI Congresso realizado em 1967.

[Em 1976, a nova empresa COPENE Petroquímica do Nordeste abriu concurso público para a sua primeira turma de operadores (naquela época os concursos eram gratuitos) com muitas exigências. A maioria de nós tinha terminado o segundo grau e fizemos um curso de nível superior patrocinado pela empresa, assinando um termo de cinco anos de permanência na mesma. Quem ousasse sair antes pagaria os custos do curso.]

Em 1978 se deu início à operação da COPENE e das demais fábricas do Pólo Petroquímico de Camaçari, o maior Pólo de indústrias petroquímicas de todo o Hemisfério Sul. Nesse mesmo ano o Presidente Geisel compareceu para a inauguração do Pólo Petroquímico, sendo inclusive vaiado por trabalhadores da COPENE ao visitá-la.

A partida do Pólo foi realizada com toda a tranqüilidade e unicamente pelos recém-formados operadores baianos, apesar de que operadores de indústrias semelhantes do sul do país (cujas partidas ocorreram com graves acidentes e até mortes de trabalhadores), acreditassem que o mesmo aconteceria no Pólo de Camaçari.

O município de Camaçari foi considerado “Área de Segurança Nacional”, mas isso não tolheu a consciência dos seus trabalhadores. Havia muitos trabalhadores tremendamente politizados que contestavam a ditadura vigente no país. Afinal, para trabalhar no Pólo as pessoas tinham de ter no mínimo o segundo grau e muitos já eram universitários. Portanto o coeficiente intelectual dos trabalhadores era elevado. Dentre eles haviam muitos com pensamentos e atividades comunistas, alguns inclusive infiltrados por partidos de esquerda. O governo federal ficava de olho nas ações de todos, adotando medidas repressoras. Havia um grande descontentamento por parte dos operários com relação às ações da ditadura.

Em 1978 foi fundado o SINDIQUÍMICA, o sindicato que iria atender às categorias dos químicos e petroquímicos, tendo como primeiro presidente o companheiro Valter Ribeiro. O SINDIQUÍMICA da Bahia foi o primeiro sindicato brasileiro a elaborar a primeira convenção coletiva mais avançada do país, a Convenção Coletiva de 1979, onde foi inserida a Comissão de Trabalho.

A partir da década de 80 surgiu em São Paulo o Novo Sindicalismo, corrente de ação que passou a ser “copiada” por todos os sindicatos do país e o SINDIQUÍMICA, o sindicato mais politizado do norte e nordeste não ficou de fora. Todas as reuniões dos movimentos sindicais esquerdistas da Bahia se realizavam no SINDIQUÍMICA, um verdadeiro ponto de referência e aglutinação. Embora a Bahia tivesse uma antiga tradição de lutas sindicais, foi com o SINDIQUÍMICA que essas lutas atingiram um novo patamar onde o sindicato se envolvia em todas as questões políticas, promovendo debates no sentido de enfraquecer a ditadura dos militares.

O governo nunca poderia conceber que um sindicato recém-criado pudesse interferir em todos os assuntos políticos do estado assim como em todas as ações do governo federal para a petroquímica da Bahia e procurava demonstrar para a população que os salários dos trabalhadores do Pólo estavam bem acima da média praticada no estado da Bahia. As autoridades enxergavam o SINDIQUÍMICA como uma “célula” importante na organização das forças políticas opositoras ao regime ditatorial.

Nessa época o presidente Geisel ocupava a presidência do Conselho Administrativo da COPENE e isso de certa forma dava à empresa um perfil autoritário e militarizado. Os seus funcionários já se haviam acostumado a sofrerem com a linha dura da administração daquela empresa.

Os trabalhadores do Pólo vinham alcançando uma organização política desde os anos seguintes à sua inauguração. No ano de 1984, uma simples caminhada no turno de “zero hora” ou mesmo no turno da tarde era acompanhada por policiais armados.

Todas as empresas do Pólo produziram uma temível rede de monitoramento de toda atividade sindical assim como as atividades políticas dos trabalhadores, sob o patrocínio do Estado brasileiro. Sempre em cada empresa havia uma divisão especial de monitoramento das atividades dos trabalhadores. Militares graduados participavam da organização desse monitoramento dentro das empresas. Basta consultar as publicações do Arquivo Nacional, da antiga ABIN (a agência de inteligência brasileira) para verificar o total monitoramento conduzido pelos militares da ditadura e as ações não só do SINDIQUÍMICA como dos trabalhadores do Pólo Petroquímico sempre a provocar interferências nas relações de trabalho.