DO AMOR QUE NUNCA CONTEI

Aquele aperto. Aquele maldito aperto estava de matar. Um bolo duro e seco que se arrastava traquéia acima, sufocando e me fazendo ofegar de vez em quando. Ainda não chorava, mas lutar contra a crise iminente era o mesmo que cruzar o mar a nado. Dilacerada, eu segurei o impulso de correr até ele e desaparecer nas curvas de seus braços fortes, e como quando a gente se impede de fazer alguma coisa que necessita muito, comecei a tremer sem controle. Ele perguntou-me suave se eu estava bem. Meneei com veemência que tudo bem e uma lágrima cretina balançou, presa às pálpebras.

Ele voltou a falar, voltou as explicações inevitáveis, ao tom levemente carregado de frustração. E quanto mais me falava, mais distante eu estava, como se alcançar minha própria linha de raciocínio me exigisse atravessar um campo minado a esmo. E eu não queria correr o risco de explodir.

Ele estava contando seus motivos...

Mas sabe? Não era amor. Não de verdade. Não, não era amor. Era uma coisa bonita, uma coisinha que mordeu meu coração e domou aquela vida arredia.

Ele disse que não queria. Ele disse que não poderia estar mais, mas queria estar...

Não era amor. Foi uma confusão de sentimentos, de emoções, de pernas e mãos e bocas por um curto período de tempo...

Ele encarou-me fundo nos olhos depois. Quis segurar meus braços, talvez, sacudir-me pra se certificar de que o estava captando, mas não estive de fato sintonizada em sua rádio naquele tempo.

Definitivamente não foi amor. Foi loucura, foi apego momentâneo, carência camuflada.

Como isso tudo poderia ter sido amor? Eu estava enganada. Mas a culpa era minha, eu tinha permitido. Foi tudo consciente, sem planejamento, claro, mas consciente. Eu aceitei as consequências daquilo quando lhe disse 'sim'. E no fundo, eu sabia que um dia iria acabar.

Segurar o choro estava afetando minha pressão e me dando vertigem. Então chorei pra melhorar. É, a gente chora quando se deixa cativar. Chorei, chorei muito, chorei de soluçar, chorei até o rosto ruborizar como tomate maduro, até o coração palpitar, cansado de trabalhar, até os pulmões ficarem fraquinhos e sem vestígio de ar. Foi só aí que parei.

Ele quis me consolar. Estapeei sua mão e recuei pra longe dele, querendo curtir minha tristeza sozinha. Ele entendeu e meteu as mãos nos bolsos.

Eu tinha palavras em nós na garganta. Queria gritar-lhe todas elas, queria esbravejar minha indignação sem motivos apenas para aliviar minha cabeça pesada e fazê-lo sentir-se culpado pelo nada que tinha me feito. Mas as palavras vieram em nós e em nós permaneceram, alojadas nas cavidades bucais, doendo, pulsando.

Tive dores, mal aguentava-me de pé. Desejei do fundo do coração que ele mudasse de idéia, apertei os olhos contra as lágrimas que ainda nadavam em meus cílios, querendo em silêncio que tudo fosse um pesadelo muito real. Mas abri os olhos, as lagrimazinhas desceram e ele ainda parado ali, sem humor, sem indícios de desistência, mergulhado numa tristeza quieta, que lembrava a minha, só menos explícita.

'Preciso ir', foi o que ele disse.

Não obteve resposta e já esperava por isso, pois virou e foi descendo a rua, as mãos nos bolsos.

Vi o único amor de minha vida inteira afastar-se sem fazer nada. Simplesmente porque não havia como sanar a questão. A questão dele estar partindo para sempre e eu não ter como continuar a ser sua companhia fiel. E enquanto o via desaparecer de vez de minha cama, de minhas fotos, de meus Domingos em família, pensei comigo que a culpa ainda era minha. Eu o colocara naquele posto seguro dentro do coração. Eu abri as portas da alma para que ele entrasse e se trancasse ali dentro. E agora eu o forçara a destrancar essa velha casa tão acostumada com suas manias, com seu perfume e sua amabilidade sensual, e se pôr dali para fora. Eu o convidara a entrar e a sair. Contra minha vontade, mas era preciso ceder o lugar a tristeza agora, já que não havia jeito dele continuar guardadinho no peito.

Como pode alguém conseguir suportar tanta dor?

E então toda essa dor não prova que foi amor?

Sim. Foi amor.

E como quis antes dele virar a esquina indo embora para sua vida gritar: EU TE AMO.

Yamiel Delacour
Enviado por Yamiel Delacour em 18/04/2011
Código do texto: T2916981
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