Não quero ser mãe, não é incrível?

Antes de me casar com meu primeiro marido, sentia uma pressão grande dos parentes e amigos para que eu casasse logo. Eu já namorava há dois anos e fui noiva por mais dois, em uma época em que isso era normal. Queríamos fazer as coisas com calma, mas com a pressão, resolvemos antecipar a grande data. As pessoas ficavam perguntando quando iria sair o casamento, se eu não tinha vontade de casar logo, se meu namorado estava me enrolando, essas coisas. Casamos! E Pensávamos que estaríamos livres das pressões. Engano! A sociedade não cansa. Logo veio a pressão para ter filhos.

Nós casamos sem casa própria e queríamos, antes de aumentarmos a família, construir nosso patrimônio, viajar muito, conquistar as coisas. Por isso, decidimos esperar uns cinco anos antes de dar esse passo. Mas parece que as pessoas não entendiam isso. No decorrer desses cinco anos, meu casamento acabou. Não demos certo e eu tive a sorte de me separar sem filhos. Como seria difícil uma mulher com trinta anos, no começo da vida, com um filho pequeno para criar. Agradeço a Deus por isso, mas fico pensando que se tivesse cedido aos apelos dos parentes e amigos, minha vida teria sido muito diferente.

Aos trinta anos recomecei minha vida em todos os sentidos. Mudei não só de casa, mas de cidade, de profissão e, mais tarde, também de marido. Ao me casar pela segunda vez, me sentia muito mais segura e determinada. Mas a pressão para que eu tivesse filhos também veio de forma muito mais incisiva. Afinal, eu já era uma balzaquiana, estava no meu segundo casamento, já tinha casa própria e uma condição de vida bastante favorável. Eu, entretanto, queria mais que ser apenas mãe, eu queria uma carreira bem sucedida. Os novos tempos estavam ao meu favor. Estávamos agora em uma época em que a mulher casava mais tarde, priorizava a carreira e tudo mais.

Ao longo do tempo, experimentei uma carreira diferente e fui bem sucedida nela, tanto que minha disponibilidade ficou toda voltada para essa nova construção. Atualmente, eu e meu marido estamos totalmente envolvidos em nossas profissões. Estamos felizes e adaptados a uma vida. Conquistamos grandes coisas juntos. Vibramos com crescimento individual que cada um tem com sua carreira. Temos interesses em comum e amamos nossa independência, nossa forma de viver e de interagir com o mundo que nos cerca. Viajamos muito, fazemos programas noturnos e mudamos de planos com muita facilidade. Não temos vontade que nossas vidas mudem no momento. Parecemo-nos bastar. Gostamos de como vivemos e o que fazemos. Mesmo após oito anos de casamento, vivemos um grande romance.

Essa forma de viver, essa realidade que o acaso nos impôs é simplesmente muito agradável e conveniente. Por isso, o fato de termos um filho foi colocado totalmente, não em segundo plano, mas em último. Por que isso incomoda tanto as pessoas? Para que sejamos totalmente felizes precisamos de um filho? Será que é isso o que elas pensam? Por que será que nós como mulheres temos que ter a obrigação moral, o dever de sermos mães? Onde está escrito isso? Os cristãos podem defender a orientação bíblica “Frutificai e multiplicai-vos”, mas Gênesis era só o começo. Eu prefiro a definição Kardecista “Nascer, morrer, renascer, ainda e progredir sempre...”.

Muitas vezes me questionam se eu não tenho o tal instinto maternal. Tenho nove afilhados de batismo e quatro sobrinhos. Confesso que antes gostava muito mais de interagir com cada um deles. Era muito dedicada. Mas os anos foram passando e minha paciência também. Apesar de me dar bem com cada um deles, de me achar uma pessoa carinhosa, não penso nem de longe querer algum deles para mim. Nunca sonhei verdadeiramente como seria quando chegasse à hora de ser mãe, de montar um enxoval para o bebê, essas coisas que as mulheres sonham. Teve uma época em que cheguei a pensar nessa possibilidade, mas isso nem chegou a se tornar um desejo.

Durante algum tempo, cheguei a questionar se seria ou não mãe. Minha vida corria e as pessoas me perguntavam o tempo todo sobre isso. Sentia-me uma pessoa diferente. Elas chegaram quase a me convencer que eu tinha algum problema. A sensação que eu tinha era que estava deixando passar a grande oportunidade. Mas, no fundo, essa oportunidade nunca veio, porque eu nunca quis verdadeiramente que ela viesse. Tenho ovários poli cistos, mas quem tem sabe que isso não é um problema para engravidar, quando controlado. Sempre usei métodos anticonceptivos e tinha pavor de falhar, chegando até a usar mais de um método ao mesmo tempo. Nunca sequer tive a oportunidade de saber se sou fértil ou não, pois nunca falhei em meus cuidados. Achava incrível quando alguém me dizia que engravidou sem querer. “Sem querer? Mas como isso pode ser possível?” Como as pessoas podem ser tão descuidadas assim? Isso beira a irresponsabilidade. Não quero ser puritana e nem julgar ninguém. Mas estamos falando de vidas. Não apenas a de um novo ser, mas de toda uma família!

A única coisa que realmente me incomoda não é não ser mãe, pois isso é uma opção. Mas sim ter que dar satisfação às pessoas todas as vezes que elas questionam a mim e ao meu marido. Isso tudo já esta virando um grande drama de novela mexicana. Primeiro elas perguntam há quantos anos estamos casados. Depois elas perguntam quantos anos nós temos. Ai elas se entre olham e depois – Pasmem! – Elas perguntam se eu tenho algum problema para engravidar. Não ele ou nós, mas “eu”. Quando explicamos que não é nossa prioridade e que estamos felizes mesmo sem filhos, que é uma simples opção, as pessoas continuam como se não tivessem entendido... “Ah, mas hoje em dia tem muitos métodos para ajudar casal nas idades de vocês. Por que não fazem uma inseminação?” Nossa! Mas como é difícil lidar com isso. Por que as pessoas acham que precisamos ser pais? Que eu quero ser mãe? Ou melhor, por que eu tenho que ser mãe? Por que eu simplesmente não posso abrir mão disso sem que as pessoas achem que eu tenho algum problema? Isso tudo é muito desgastante.

No fundo, as pessoas que têm filhos deveriam ser questionadas da mesma maneira que as que não têm. Por que querem ter filhos? Estão preparadas para serem pais? Sabem o que fazer com seus filhos? Estão dispostas a sacrificar tudo por eles? Estão dispostas e investirem em sua educação e em seu emocional?

Sei que posso mudar de opinião quando não tiver mais tempo para isso. Mas é um risco que eu quero correr. Se hoje eu tivesse um filho, correria o mesmo risco, só que de me arrepender. A vida é feita de riscos e vivenciamos isso o tempo todo.

Minha irmã tem gêmeos e um terceiro, mais velho, com diferença em torno de um ano e meio para os demais. Quando eles vêm me visitar fico encantada nos dois primeiros dias. Nos seguintes me sinto incomodada, nos últimos estou rezando para eles irem embora. Amo todos eles, são meus sobrinhos, meu sangue, mas quebram a minha rotina. Suas necessidades são logicamente uma prioridade, mas não são nem de longe as minhas. Eles são a vida de minha irmã. Ela vive e pensa para eles 24 horas do dia. Acho isso lindo, mas não me imagino nessa situação. Penso de forma egoísta, o que certa forma é curioso, pois há uns 10 anos, quando minha irmã me via rodeadas de afilhados, ela é que sentia uma certa repulsa. As pessoas mudam. E eu mudei! Que bom que somos transformados o tempo todo. Isso é fácil, o que é difícil é convencer as pessoas disso.

Algumas pessoas mais cruéis questionam se eu não vou me arrepender, ou sugerem que com o passar dos anos ficarei amarga, que não levarei adiante o nome de minha família e que na velhice não terei quem cuide de mim. Mas quem garante que seu eu tiver um filho, essas coisas não acontecerão? Quem?

Eu poderia listar aqui mil motivos para ser mãe e me encantar com a maternidade. Afinal a casa fica mais cheia de vida, tudo é tão intenso e emocionante. Basta que um filho sorria ou conquiste uma fase em seu crescimento para que o mundo dos pais se ilumine. Vejo a satisfação de alguns pais amigos meus. É realmente maravilhoso. É o milagre da vida. Eu sou grata aos meus pais por terem me concebido. Mas será que esse dom é tão intrínseco assim? Todos possuem dom, habilidade, paciência e energia? Eu também poderia fazer uma lista de motivos para não se ter filhos. Será que todos estão preparados para abandonar suas aspirações, suas carreiras, seus hobbies, em prol da alegria da maternidade? A perda da liberdade, o custo financeiro que muitas vezes acaba com um casamento, as opiniões diferentes na hora de educar e a culpa e frustração que muitas vezes recai sobre a criança de forma injusta, são muito significativos. Tantos são os contratempos e as indisponibilidades.

“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.” Fernando Pessoa tinha razão. Mas a minha alma não é pequena, ela só tem outras aspirações.

Tudo muda em um segundo, mas hoje vivo o meu momento. Um momento só para mim. Um momento egoísta confesso, mas egoístas também não são determinados pais que possuem filhos para amarem? Em alguns casos é pura vaidade. Mesmo assim eu respeito a decisão de cada um. Mas no meu caso, com esta minha decisão, eu faço o que quero, quando quero e aonde eu quero, sem me preocupar com ninguém e sem ninguém dependendo de mim para nada. Acho lindo uma família grande e não sei se me bastarei à vida toda, mas preciso defender o que eu penso hoje e assumir as responsabilidade e consequências desta minha escolha. Ser consciente é muito importante nesse momento.

Minha única preocupação, nos últimos anos, era saber se meu marido tinha essa prioridade, pois caso ele tivesse teria que rever os meus conceitos. Discutir, ponderar, analisar. Afinal, a decisão de ter um filho, assim como não tê-los, não é uma decisão unilateral. Mas hoje eu estou aqui. Cheguei aos 40 e nem ele, nem eu temos essa vontade por enquanto. Mas tudo seria muito perfeito e muito mais fácil se nós não tivéssemos que justificar o tempo todo, para a família, para os amigos e até para estranhos a nossa escolha.

"C'est la vie".

Dyandreia Portugal