Mais uma do baú

As lembranças que trago da minha infância, me proporcionam uma felicidade muito grande. Uma vidinha simples, singela, muito pobre em termos materiais, mas de uma riqueza ímpar, em termos de vivência, de família.

Meus avós, tios e tias maternos moravam ao lado de nossa casa. Os avós paternos, um tio e uma tia, também moravam perto, mas foi o lado materno que nos deu a maior sustentação, em todos os sentidos. Familiar, moral, emocional e psicologicamente, pela maior proximidade e convivência.

Sempre fomos uma família feliz. Apesar das dificuldades financeiras, da pobreza, nunca deixamos de receber nosso ninho de Páscoa. Havia nele o tradicional canudo de papel enfeitado com papel crepom, feito pela nossa mãe com nossa ajuda, recheado com amendoim açucarado. Ovos de galinha pintados, muitas vezes também com papel crepom, porque a tinta era cara. Coelhos de pão de mel cobertos com glacê. Ovos de açúcar, um coelhinho pequenito de chocolate e o que eu mais gostava: ovinhos de açúcar recheados com licor.

No Natal, o filho mais velho de um vizinho, irmão daquele que chutara a bola nas minhas costas, vestia-se de Papai Noel. Nós sabíamos que era ele, mas eu sentia medo, mesmo assim. Era de praxe. E para que ele entregasse meu presente, primeiro eu tinha que dançar o “Chimango” com ele. Não me perguntem o que é isso, porque nem eu sei. E quem sabia, já deve ter partido para os campos de cima. Lembro vagamente da dança.

Geralmente no Natal, meu presente era tecido para fazer o vestido “para bom” do ano seguinte. Na páscoa, era a vez do sapato. Lembro de um de verniz preto, tipo bailarina, com pulseira em torno do tornozelo. Uma paixão. Era duro como se fosse feito de madeira. Os sapatos naquela época eram assim. E tinham que ranger.

Enquanto escrevo, sorrio. Sinto uma saudade alegre. De tantas coisas boas que pincelaram minha vida, a vida da minha família, esculpindo adultos de caráter firme e íntegro.

Esgrimimos com as dificuldades e somos vencedores. Não perdemos tempo com lamentações inúteis. Arregaçamos as mangas, seguimos o exemplo de nossos pais, avós e tios, sacrificando horas preciosas de descanso, trabalhando até tarde da noite ou estudando, conquistando com trabalho e esforço, aquilo que de palpável, de sólido hoje temos.

E o mais palpável, o mais sólido, é o amor pela nossa família. (30/10/06)