Assim vai o mundo

A supervisora fez sinal de que se aproximava o fecho da caixa. Tracy lembra-se de olhar o relógio, eram exactamente 20h45m e de como abominava ver os clientes entrar quase na hora de encerrar o supermercado.

Sentiu o vento nas costas, no preciso momento em que a porta automática se abriu e através dela avistou o que deduziu ser a silhueta de uma mulher de meia-idade. A indumentária vista por trás, bem como as madeixas naturais que prateavam os seus cabelos, corroboravam a sua intuição.

Quase de seguida, uma nova rajada de vento acusava a entrada de um jovem na casa dos vinte anos, detentor de um passo ligeiro e desconjuntado, movimento que impulsionava a contínua queda dos jeans, pelas pernas abaixo, e revelava passo a passo uns boxers bordeaux de marca.

Tracy pensou para consigo, enquanto sorria, porque raio haveriam de inventar a moda das calças sem cinto…

Passados poucos segundos, entrou, um outro, talvez ligeiramente mais velho, mas igualmente decidido a prolongar o seu suplício, ao mesmo tempo que deu consigo a falar sozinha:

- Será possível que esta gente não respeite o horário dos outros? Vão ficar por aí pelos corredores a namorar os after-shaves e a estudar a melhor forma de os passar sem pagar…

Ainda palavras não eram ditas, já avistava, ao longe, a senhora de meia-idade. À medida que esta se aproximava, Tracy constatava que a sua percepção óptica não falhara, a cliente deveria rondar os 55 anos e era detentora de um ar apagado de quem já cumprira um dia de trabalho fora de casa e ainda tinha pela frente as infindáveis lides domésticas. Aproximou-se da caixa com ar de poucos amigos e fez-se desentendida ao cumprimento cordial e eticamente correcto da jovem, que profissionalmente sabia que tinha de engolir os sapos que a profissão oblige.

Em cima do tapete: 2 latas de atum, meia-dúzia de ovos, 1 pacote de leite e 1 pão, o que obrigou involuntariamente Tracy a dar consigo a pensar:

- Comida de pobre! Nada reconfortante, apenas o essencial.

A senhora abriu a carteira e procurou o dinheiro em todas as divisões. Sacudiu a mala, tirou tudo para fora e quando a jovem lhe ia para dizer que tivesse calma, já os dois indivíduos, que haviam aproveitado a confusão, ordenavam a Tracy, sob ameaça de uma arma, que abrisse a caixa e lhes entregasse todo o dinheiro nela contida.

Confusa e assustada, Tracy viu uma arma apontada à cabeça da cliente e outra encostada às suas costas. Apesar de encapuzados, ela podia distinguir os olhos cor de avelã do indivíduo que ameaçava a senhora de meia-idade, ao mesmo tempo que gravava na mente o timbre enfático, mas aveludado e quente da sua voz:

- Ou colocas o dinheiro da caixa todo dentro da mala desta senhora ou ela morre! A escolha é tua!

Tracy tentou de novo desesperadamente localizar o segurança, mas este, dado o adiantado da hora já devia estar a mudar de roupa nos vestiários e não teve outro remédio senão abrir a caixa e retirar todas as notas e colocá-las na mala da cliente, que continuava sob ameaça.

O indivíduo da voz quente e aveludada cravou-lhe os dedos por entre as maçãs do rosto e gracejou:

- Oh boneca! Portaste-te bem! Aqui a tiazinha é boa para o teatro, não achas?

Em movimentos quase imperceptíveis, dado o estado de transe em que Tracy ficara, os dois homens saíram levando consigo, descontraidamente, a senhora, afinal, sua cúmplice e arrancaram a alta velocidade.

Tracy conseguiu finalmente gritar e accionar o alarme, ao que o segurança e a supervisora responderam prontamente, surgindo do meio do nada.

A supervisora percebera pelo rubor nas faces de Tracy e pela gaguez com que tentava descrever o que se havia passado, ajudada apenas pelo gesticular de braços, que o supermercado fora roubado. O segurança correu, mas já era tarde demais.

Fana
Enviado por Fana em 18/04/2011
Código do texto: T2916277
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