O VELHO E BOM SEXO

O erotismo existe desde Adão e Eva e, sendo o sexo uma força tão poderosa, é de se esperar que durante toda a trajetória da humanidade ele fosse provocar os mais variados conflitos e escaramuças. E a literatura não poderia deixar de conter esse tema nas mais variadas formas. Por outro lado, a repressão sexual foi sempre instrumento de dominação, pois a liberdade no sexo leva a um comportamento menos controlável pelo sistema, uma vez que torna o indivíduo menos sujeito à qualquer doutrinação castradora.

A presença massiva de pornografia em nossos dias vem comprovar que estamos longe de uma liberdade sexual. O que existe é uma grande libertinagem, uma promiscuidade explorada como ótimo negócio, inclusive com a famigerada pedofilia. A repressão sexual nunca foi tão grande, do contrário o sexo não seria a mercadoria tão cobiçada e geradora de fortunas. Se ele fosse encarado naturalmente, ninguém pensaria em aparelhar-se entrando em sex shops ou acionando canais privé na internet. Trepar seria tão simples como saborear uma fruta. E uma bunda teria dois hemisférios e seria simplesmente uma bunda, não serviria pra vender cerveja, nem pra anunciar automóveis.

Existe uma grande diferença entre literatura com temas ousados, onde o sexo é retratado por escritores competentes e de forma literária, como é o caso de Henry Miller, por exemplo, e textos sensacionalistas e comerciais, produzidos com o único intuito de ganhar dinheiro. Tais escritores têm uma postura e uma história de publicações que ratificam sua competência e intenções. Acontece o mesmo com a pintura abstrata. Um pintor que já se consagrou com telas que comprovem seu talento pode fazer seu abstrato sem passar por embusteiro. Porque para um público sem prévios esclarecimentos, no campo do abstracionismo da pintura, todos os gatos parecerão pardos na penumbra do traço e do domínio cromático. Assim também, para um leitor menos crítico e informado, onde o sexo for retratado de forma mais crua ele verá a licenciosidade.

A pornografia é um ótimo negócio e se apresenta nas formas mais diversas, além do texto escrito. Ela se alimenta da solidão e carência das pessoas. Também das suas condutas doentias, resultado de uma moral castradora. Não seria mais simples encontrar prazer como bichos que somos? Acontece que o bicho que "somos" está enclausurado e preso a tantos modismos, necessidades artificiais criadas por quem quer nos fazer massa de manobra, consumidores das coisas produzidas, está tão atrapalhado com a vitrine de possibilidades, com a "imagem" de si próprio que os meios de comunicação projetam nas telas, que já não sabe direito quem é verdadeiramente, se o velho animal de carne e osso, ou aquele no telão, com dentes branqueados demais, com as cuecas ou calcinhas marca tal, com a bolsa do Fulano Sódondoca, o carro mais potente (vejam a relação com a libido) que pega todas, o supercelular pra dizer abobrinhas e fazer figura, enfim com tudo que pesa sobre sua simples cabeça de animal mortal e limitado.

Perdido diante de um mundo que vê na TV, nos jornais e nas revistas e que está bem longe de corresponder à verdade, o bicho ser humano perde a perspectiva que lhe daria uma vida de paz e bom convívio com seu corpo. Vemos então meninos usando Viagra, meninas esqueléticas, senhoras sessentonas casando de noiva com rapazes quase netos, tudo em nome do prazer, que também virou mercadoria de consumo rápido. Isto é evolução, dizem os ufanistas da superficialidade. E agora temos uma diferença interessante em relação aos primitivos homens de lata. Eles eram feitos pra imitar o homem, realizar tarefas que pra nós são até simples. Mas os tempos mudaram. Hoje somos nós que tentamos imitar as máquinas. Estamos tentando ser o mais mecânicos possível. Nossos relacionamentos carecem de sangue quente. Nossa humanidade é vista como coisa obsoleta .

Nestes anos de mudanças e avanços da técnica, progredimos pouco como humanóides. Ainda temos o velho falso moralismo, moral de conveniência, dois pesos e duas medidas, barroca por seu antagonismo. Neste contexto hipócrita, pode-se ver o que já foi mencionado, ou seja, que a repressão sexual é muito grande, o que provocará atitudes ambíguas, em que as pessoas se esforçam por manter uma imagem aprovada pela sociedade, deixando o sexo para o anonimato dos motéis. E como toda mercadoria estigmatizada, torna-se artigo de altos negócios, tem um convívio estreito com a marginalidade e faz parceria com a exploração (veja-se o turismo sexual e o abuso de crianças) e o crime.

Neste contexto, o velho e bom sexo ainda permanece na clandestinidade. Talvez fique aí pra sempre, enquanto nossas mutações nos encaminham para um futuro imprevisível.

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Texto publicado na edição 64 do Clube dos Cronistas Cotovelares

E mais:

O velho e bom sexo | edição #64

As Três Marias | edição #63

Bolívia e Venezuela, uma nova Guerra do Paraguai à vista? | edição #62

Espirrando os estorvos | edição #61

Eles não se deixam libertar facilmente | edição #59

O dinheiro não tem bandeira | edição #58

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tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 15/11/2006
Reeditado em 06/04/2008
Código do texto: T291546
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