Lá vinha o velho carrancudo com aquele papel outra vez. Era a época de responder àquelas perguntas imprevisíveis e indesejáveis. Nesse momento – como da última vez – minhas pernas já começavam a tremer, meu corpo suava incessantemente, e meu coração palpitava, querendo saltar pelas entranhas. Olhava para o lado e via amigos se benzendo, outros tentando esconder uns papeizinhos com letras tão pequenas que era difícil até de eles mesmos entenderem, alguns escrevendo frases que não sabiam o significado pelo corpo, e eu transbordando nervosismo e tensão.
O velho entrava na sala, distribuía o papel preto e branco, ainda cheirando a álcool, e pedia que deixássemos a folha virada em cima da mesa. Depois que todos já tinham sua folha, ele lia as instruções e dizia que podíamos começar, nos desejando, de “boca pra fora”, um “boa sorte” seguido de um sorriso irônico e maquiavélico. Ao encarar aquele papel, eu permanecia nervoso e, depois, demasiadamente confuso.
Tentava me lembrar de tudo o que havia lido anteriormente nos papéis coloridos, mas tudo aquilo me parecia fugir da memória. Naquele momento, só me preocupava com as respostas que eu tinha que escrever no papel alvinegro. Além disso, temia as conseqüências de não responder corretamente aos questionamentos que o velho propusera naquelas páginas. Eu não queria passar mais um ano naquela mesma sala do grande casarão e ficar longe dos meus melhores amigos.
Desliguei-me, por um breve instante, imaginando o velho elaborando aquele papel. Passeavam em minha mente imagens dele falando: – Agora eles vão se ver comigo! Atrapalharam-me tanto! Chegou minha vez! Há! Há! Há! Há! Há! Como aquilo me assustava!
Quando retornei à realidade, notei que ainda estava na famigerada sala quadrada do grande casarão, rodeado por amigos – que neste momento não podiam ao menos falar comigo – com o papel preto e branco nas mãos, virado para mim, me encarando com ar que deveria ser de desafio, mas eu sabia que já estava derrotado por ele. Nesse momento, me sentia tão impotente, tão incapaz, e, ainda por cima, com sentimento de culpa por não ter prestado atenção no que o velho dizia semanas antes daquele papel chegar às minhas mãos. Esses sentimentos me atrapalhavam excessivamente no momento de resolver os problemas contidos no papel.
Comecei a tentar respondê-lo, mas as tentativas eram debalde. Será que o velho realmente havia falado sobre aquelas coisas? Eu tinha certeza de nunca ter ouvido falar naquelas palavras que estavam contidas no papel preto e branco. Tentei enrolar o velho escrevendo algumas bobagens que me vieram à cabeça naquele instante, quase me esquecendo de pôr a assinatura que comprovava que eu realmente havia respondido às perguntas do papel. Apressado para sair logo daquele clima de confusão psicológica e curioso para ver o que estava acontecendo na área externa do grande casarão, entreguei o papel ao velho.
No decorrer de aproximadamente dez dias, veio ele sorrindo à toa, não sei o porquê, e disse: “– Trouxe o resultado de vocês”. E, por um momento, tinha chegado a pensar que ele traria uma boa notícia! Mas seria uma grande novidade por parte daquele sujeito ranzinzo e chato.
Quando ele chamou pelo meu nome e entregou-me o papel, disse sorrindo: – Que bom que você não se esqueceu de pôr seu nome! Acredita que ainda tive a bondade de te abonar com cinco décimos por ter-se esforçado? Olha como eu sou bonzinho!
Todas essas lembranças me ocorreram enquanto conversava com meu filho no sofá de casa. Ele havia acabado de chegar da escola – a mesma que eu estudei, por sinal – e estava comentando sobre como foi seu dia. Ouvi pouca coisa que ele falou, passando, sem querer, a viajar em meus próprios pensamentos. Não sei ao certo o que ele disse, que me fez lembrar os meus tempos da escola. Quando dei por conta que o garoto estava falando sozinho, voltei a mim, num súbito susto, e fiz ao garoto uma repentina pergunta: “– O que você estava dizendo? Quer dizer que ... que a escola que você estuda voltou a aderir à semana de prova?”
Publicado no site:
<http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/prosaepoesia/0284.html> em 12/04/2011.
O velho entrava na sala, distribuía o papel preto e branco, ainda cheirando a álcool, e pedia que deixássemos a folha virada em cima da mesa. Depois que todos já tinham sua folha, ele lia as instruções e dizia que podíamos começar, nos desejando, de “boca pra fora”, um “boa sorte” seguido de um sorriso irônico e maquiavélico. Ao encarar aquele papel, eu permanecia nervoso e, depois, demasiadamente confuso.
Tentava me lembrar de tudo o que havia lido anteriormente nos papéis coloridos, mas tudo aquilo me parecia fugir da memória. Naquele momento, só me preocupava com as respostas que eu tinha que escrever no papel alvinegro. Além disso, temia as conseqüências de não responder corretamente aos questionamentos que o velho propusera naquelas páginas. Eu não queria passar mais um ano naquela mesma sala do grande casarão e ficar longe dos meus melhores amigos.
Desliguei-me, por um breve instante, imaginando o velho elaborando aquele papel. Passeavam em minha mente imagens dele falando: – Agora eles vão se ver comigo! Atrapalharam-me tanto! Chegou minha vez! Há! Há! Há! Há! Há! Como aquilo me assustava!
Quando retornei à realidade, notei que ainda estava na famigerada sala quadrada do grande casarão, rodeado por amigos – que neste momento não podiam ao menos falar comigo – com o papel preto e branco nas mãos, virado para mim, me encarando com ar que deveria ser de desafio, mas eu sabia que já estava derrotado por ele. Nesse momento, me sentia tão impotente, tão incapaz, e, ainda por cima, com sentimento de culpa por não ter prestado atenção no que o velho dizia semanas antes daquele papel chegar às minhas mãos. Esses sentimentos me atrapalhavam excessivamente no momento de resolver os problemas contidos no papel.
Comecei a tentar respondê-lo, mas as tentativas eram debalde. Será que o velho realmente havia falado sobre aquelas coisas? Eu tinha certeza de nunca ter ouvido falar naquelas palavras que estavam contidas no papel preto e branco. Tentei enrolar o velho escrevendo algumas bobagens que me vieram à cabeça naquele instante, quase me esquecendo de pôr a assinatura que comprovava que eu realmente havia respondido às perguntas do papel. Apressado para sair logo daquele clima de confusão psicológica e curioso para ver o que estava acontecendo na área externa do grande casarão, entreguei o papel ao velho.
No decorrer de aproximadamente dez dias, veio ele sorrindo à toa, não sei o porquê, e disse: “– Trouxe o resultado de vocês”. E, por um momento, tinha chegado a pensar que ele traria uma boa notícia! Mas seria uma grande novidade por parte daquele sujeito ranzinzo e chato.
Quando ele chamou pelo meu nome e entregou-me o papel, disse sorrindo: – Que bom que você não se esqueceu de pôr seu nome! Acredita que ainda tive a bondade de te abonar com cinco décimos por ter-se esforçado? Olha como eu sou bonzinho!
Todas essas lembranças me ocorreram enquanto conversava com meu filho no sofá de casa. Ele havia acabado de chegar da escola – a mesma que eu estudei, por sinal – e estava comentando sobre como foi seu dia. Ouvi pouca coisa que ele falou, passando, sem querer, a viajar em meus próprios pensamentos. Não sei ao certo o que ele disse, que me fez lembrar os meus tempos da escola. Quando dei por conta que o garoto estava falando sozinho, voltei a mim, num súbito susto, e fiz ao garoto uma repentina pergunta: “– O que você estava dizendo? Quer dizer que ... que a escola que você estuda voltou a aderir à semana de prova?”
Publicado no site:
<http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/prosaepoesia/0284.html> em 12/04/2011.