Cachaça de arroz
Lá estávamos reunidos no habitual contexto. A crise surgia na incapacidade de manter o cotidiano estável, mesmo sem abalo em termos de proteína e com boa educação sentimental. Sabe-se lá o que queriam dizer sobre esse tema. Nesse cenário alguns homens viviam da crise. A crise total, sem exagero. O local era o palco perfeito com cenários próprios para discutir o que fazer. Sem exageros. Há que se puxar assunto sobre como modificar e melhorar a vida e o mundo.
- Veja esta cidade. Cidade rica em produção de arroz.
- Riquíssima, completou João. João argumentava sempre complementando.
- A chuva é pouco conveniente agora.
-... Fazer o quê? É a crise.
De repente um gaiato decidiu arrumar a sua parte no universo com seu desejo momentâneo de ser produtivo. “Nesta cidade não se respeita o arroz”. Foi um golpe na barriga dos pândegos.
Dizam no povoado que naquele bar os copos de cerveja viravam sozinhos com o tremor da exaltação. Mentira. Era exaltação que faltava. A vida sem exaltação é tímida, sombria e nunca faz gol.
Desta vez a idéia era quente, transformar arroz em bebida alcoólica. Todos batucavam aos berros: cachaça de arroz. Repetidas vezes.
O garçom Medeiros sorriu como sempre para todos. Depois que a ideia do gaiato virou motivo de exaltação, pois todos estavam levantando os braços, rindo, zombando, batendo copo na garrafa; quando ele retomou a seriedade. Tipo de seriedade pouco reflexiva, mas fortemente aparente. Afinal, havia algo de errado com a cachaça que ele vendia de caninha legal? Virando as costas foi sofrer de duvida indo somar números no balcão.
Alguém sabia que o arroz utilizado na produção de "sake" possui grandes grãos. Precisa-se de arroz pobre em proteínas e gordura para se ter boa cachaça de arroz. Alguém como ele, ser pobre e dono da idéia. O arroz é polido até restar menos de 50% do grão original, exatamente como ele, ser humílimo, noturno, boêmio sentimental da madrugada. Talvez a idéia em si valesse ouro. Faz-se cachaça até de taquara, ruminou.
Não contente levantou e discursou feito o deputado baiano da canção: O arroz é cozido, são adicionados mais grãos e água. A fermentação produz a substancia que deve ser ingerida com moderação. Sem falar ninguém compreende.
Foi aplaudido com veemência. Um turista que ninguém conhecia no lugar com feições asiáticas disse: "moromi". (Moromi é palavra que sai tripartida indiscutivelmente); Moromi filtrado é separado, colocado em descanso, filtrado novamente, aquecido duas vezes... Ponto queria dizer pronto. J. Terreiro coçou a barba. Garantiu muito embriagado que começaria a plantar arroz na próxima safra para fazer sake. Viu o processo inteiro nas palavras voadoras dos gaiatos: Viu de ver bem visto o produto finalmente engarrafado. Estava nas alturas do êxito imaginário, havia solução para a estagnação monomaníaca municipal. Livres da crise e aliviados com tantos projetos mentais que surtiam como efeito de paraíso. Haveria emprego, renda e exportação. Ao lado do sake a má fama da cachaça parecia desconcertante. Pelo menos saquê tem boa fama.
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