Sobre Dalcídio Jurandir
Carlos Augusto Ramos
Novembro de 2004
Minhas férias anuais estão terminando, na maioria das vezes guardadas para o mês de janeiro. Uma época de início de chuvas aqui no Marajó e cercanias. Minha esposa reclama horrores da escolha por tal período, cujas praias estão longe de estar aquela balburdia de pessoas e com sol escaldante de julho. Vou acabar reformulando o pedido de descanso para agradá-la, concordo comigo mesmo. Mas é bom viajar e ler ao mesmo tempo. É bom refrescar a cabeça estudando outros processos de vida. Em julho a confusão é tamanha, que dificilmente é possível aprender coisas novas.
Pois bem, retirei-me então para a leitura, algumas revisões, alguns livros de filosofia, quando me deparei com um livro de Dalcídio Jurandir intitulado Marajó na estante de minha casa, abandonado, confesso. A história da aquisição desta obra é meio estranha, pois fora comprado no aeroporto de Belém, em Novembro, antes de minha partida para Macapá e daí para Gurupá. Comprei-o e guardei-o para posterior uso. Já estava lendo um outro livro e não gosto de misturar os assuntos na mente. Não deixa de ser uma forma de fidelidade.
Lembro que viajava para Gurupá no barco São Thiago, quebrando o motor desta embarcação pelo menos umas três vezes. Pára. Desmonta. Conserta. Monta. Prossegue. Nessa penúria e paciência, resolvi ler a biografia do autor por primeiro, como costume que tenho: “1909 – nasce na vila de Ponta de Pedras, Ilha do Marajó...”, “1925 – matricula-se no colégio Paes de Carvalho...”, “1930 – deixa o cargo em novembro (de secretário tesoureiro da intendência municipal de Gurupá), indo trabalhar num barracão comercial às margens do rio Baquiá, região das ilhas, município de Gurupá... propriedade de Pais Barreto...”. Paro de ler, levanto a cabeça e eis que me encontro no rio Baquiá, município de Gurupá, no mesmo mês mencionado! Paramos no porto de um barracão pertencente a uma família das mais tradicionais da região. Chega de surpresa. Prefiro não saber se aqueles posseiros eram do clã dos Pais Barreto. Guardei novamente o livro. Eu hein...
Quando me pus a ler a obra com voracidade, felicitou-me a constatação que lia um dos maiores romances da literatura brasileira. Não só eu quem afirma isso. Fausto Cunha, um grande crítico da arte de escrever manifestou sua opinião positiva sobre Marajó. Apesar de não ser um experto da área, porém, tendo como passatempo o estudo de escritores brasileiros desde meus doze anos (quando dos primeiros livros autobiográficos de romancistas presenteados a mim por meu pai), ofereço um pequeno reforço ao famoso crítico, comentando que Dalcídio Jurandir não deve nada aos grandes nomes brasileiros da literatura. Guimarães Rosa foi sublime ao retratar os sertões de Minas Gerais e sua gente. Machado de Assis foi pioneiro na dissecação psicológica de seus personagens. Dalcídio teve esses predicados e foi mais além: descreveu, vivenciou, analisou o marajoara e sofreu naquele meio ambiente como ribeirinho que era, e não obstante ser letrado, conseguiu não extinguir a essência de homem amazônida.
Marajó trata-se de um livro que caracteriza como nenhum outro os tipos da região naqueles meados de século XX, os patrões, os marreteiros, os vaqueiros, os aviados (de aviamento - olha o respeito!), os promesseiros. Seus diálogos são interessantes do ponto de vista da informalidade e realidade da época. Acredito que hoje temos uma forma de falar mais vulgar, sem os requintes no vocabulário dos ribeirinhos daquele tempo.
Para quem gosta de um romance sem pieguismo e adequado às situações existentes no Norte do Brasil, recomendo. Para aqueles que buscam conhecer mais a idiossincrasia, a maneira de usar a floresta e história do caboclo marajoara, uma grande oportunidade. Eu, por exemplo, aprendi muito. Agora, para aqueles que apenas lêem autores que estão na moda ou somente porque tem o nome escrito na Academia Brasileira de Letras e vendem milhares de cópias no mundo, saibam que nem todos os santificados foram ou são santos na verdade.
Carlos Augusto Ramos
Novembro de 2004
Minhas férias anuais estão terminando, na maioria das vezes guardadas para o mês de janeiro. Uma época de início de chuvas aqui no Marajó e cercanias. Minha esposa reclama horrores da escolha por tal período, cujas praias estão longe de estar aquela balburdia de pessoas e com sol escaldante de julho. Vou acabar reformulando o pedido de descanso para agradá-la, concordo comigo mesmo. Mas é bom viajar e ler ao mesmo tempo. É bom refrescar a cabeça estudando outros processos de vida. Em julho a confusão é tamanha, que dificilmente é possível aprender coisas novas.
Pois bem, retirei-me então para a leitura, algumas revisões, alguns livros de filosofia, quando me deparei com um livro de Dalcídio Jurandir intitulado Marajó na estante de minha casa, abandonado, confesso. A história da aquisição desta obra é meio estranha, pois fora comprado no aeroporto de Belém, em Novembro, antes de minha partida para Macapá e daí para Gurupá. Comprei-o e guardei-o para posterior uso. Já estava lendo um outro livro e não gosto de misturar os assuntos na mente. Não deixa de ser uma forma de fidelidade.
Lembro que viajava para Gurupá no barco São Thiago, quebrando o motor desta embarcação pelo menos umas três vezes. Pára. Desmonta. Conserta. Monta. Prossegue. Nessa penúria e paciência, resolvi ler a biografia do autor por primeiro, como costume que tenho: “1909 – nasce na vila de Ponta de Pedras, Ilha do Marajó...”, “1925 – matricula-se no colégio Paes de Carvalho...”, “1930 – deixa o cargo em novembro (de secretário tesoureiro da intendência municipal de Gurupá), indo trabalhar num barracão comercial às margens do rio Baquiá, região das ilhas, município de Gurupá... propriedade de Pais Barreto...”. Paro de ler, levanto a cabeça e eis que me encontro no rio Baquiá, município de Gurupá, no mesmo mês mencionado! Paramos no porto de um barracão pertencente a uma família das mais tradicionais da região. Chega de surpresa. Prefiro não saber se aqueles posseiros eram do clã dos Pais Barreto. Guardei novamente o livro. Eu hein...
Quando me pus a ler a obra com voracidade, felicitou-me a constatação que lia um dos maiores romances da literatura brasileira. Não só eu quem afirma isso. Fausto Cunha, um grande crítico da arte de escrever manifestou sua opinião positiva sobre Marajó. Apesar de não ser um experto da área, porém, tendo como passatempo o estudo de escritores brasileiros desde meus doze anos (quando dos primeiros livros autobiográficos de romancistas presenteados a mim por meu pai), ofereço um pequeno reforço ao famoso crítico, comentando que Dalcídio Jurandir não deve nada aos grandes nomes brasileiros da literatura. Guimarães Rosa foi sublime ao retratar os sertões de Minas Gerais e sua gente. Machado de Assis foi pioneiro na dissecação psicológica de seus personagens. Dalcídio teve esses predicados e foi mais além: descreveu, vivenciou, analisou o marajoara e sofreu naquele meio ambiente como ribeirinho que era, e não obstante ser letrado, conseguiu não extinguir a essência de homem amazônida.
Marajó trata-se de um livro que caracteriza como nenhum outro os tipos da região naqueles meados de século XX, os patrões, os marreteiros, os vaqueiros, os aviados (de aviamento - olha o respeito!), os promesseiros. Seus diálogos são interessantes do ponto de vista da informalidade e realidade da época. Acredito que hoje temos uma forma de falar mais vulgar, sem os requintes no vocabulário dos ribeirinhos daquele tempo.
Para quem gosta de um romance sem pieguismo e adequado às situações existentes no Norte do Brasil, recomendo. Para aqueles que buscam conhecer mais a idiossincrasia, a maneira de usar a floresta e história do caboclo marajoara, uma grande oportunidade. Eu, por exemplo, aprendi muito. Agora, para aqueles que apenas lêem autores que estão na moda ou somente porque tem o nome escrito na Academia Brasileira de Letras e vendem milhares de cópias no mundo, saibam que nem todos os santificados foram ou são santos na verdade.