Parentesco indígena contestado

                                 (Dia do índio)

     Meus parentes, na sua grande maioria, acreditam cegamente que nós, os Jucá, somos todos descendentes de índio. Tudo porque, na minha terra, o Ceará, viveram, lá pelo século 18, os jucás, índios dos quais teríamos herdado este sobrenome.
     Minha mãe morreu com 96 anos de idade dizendo que isso não é verdade. Ela nunca aceitou que nas veias de um Jucá corresse uma gota sequer de sangue indígena. 
     Ficava indignada quando, à guisa de elogiar minha origem cearense, eu admitia ser parente de um pajé milagroso ou de um cacique valente que teriam habitado as terras do Iguatu e de Carius, cidades onde a família Jucá, há muitos séculos, escolhera para viver.
     Não adiantava argumentar que, de repente, a família podia ter como parenta ilustre a fogosa índia Iracema - mito ou não - o maior e mais querido ícone indígena do rincão alencarino. 
     Ela rechaçava a ideia, lembrando - não sei quem dizia isso a ela - que "Iracema só existiu na imaginação de um romancista chamado José de Alencar".
     Lendo (no Google) o magnífico trabalho do jornalista e escritor Pedro Rocha Jucá, que, há décadas, com esmero e sensibilidade, pesquisa e escreve sobre a família Jucá, estou quase dando razão à minha saudosa mãe.
     Com efeito, nos escritos criteriosos do Pedro, meu primo, não encontrei uma declaração incisiva de que os Jucá sejam, incontestavelmente, descendente dos índios jucás. 
     Ele fala na família Feitosa à qual esses índios se aliaram no confronto contra a família Monte, no sertão cearense dos Inhamuns. Minha mãe garantia que os Jucá são, sim, Feitosa.
     Queria, entretanto, deixar claro, que não ficaria nem um tiquinho (como se diz no Ceará) agastado ou decepcionado se fosse de descendência tapuia. É público e notório que nutro pelos nossos silvícolas um respeito absoluto e um carinho sem restrições ou medidas.
     Exatamente por isso é que, todos os anos, no Dia do Índio, estou sempre a escrever alguma coisa sobre eles, sem esquecer de elogiar o doutor Getúlio Vargas, o responsável pela oficialização dessa justa e consagradora homenagem aos verdadeiros "donos do Brasil".
     Falando pros esquecidos, recordo que foi o doutor Gêgê quem sancionou a Lei n. 5 540, de 1943, oficializando o 19 de abril como o Dia do Índio.
     E aqui abro um parêntese, para especular: será que o doutor Getúlio fez, de propósito, coincidir o Dia do Índio com a  data de seu aniversário natalício, 19 de abril?
     Creio que sim. O saudoso estadista dos pampas sempre usou sua caneta de governante  maior da Nação brasileira  de olho na História. Fecho o parêntese.
     Pena que os índios do Brasil, apesar de tudo o que até aqui se tem feito por eles, não recebam, ainda, a atenção e o tratamento respeitoso a que cada um faz jus. Se duvidar, se beneficia mais esse atrevido e controvertido MST.     
     Até a chegada de Cabral, os índios viviam felicíssimos. Eram os senhores da floresta, do mar, dos rios, dos regatos e do céu; comiam o melhor peixe e a melhor caça; chupavam frutas silvestres e bebiam o puro mel que as mandaçaias livremente produziam na caatinga.
     Viviam nus, e de sua nudez só prestavam conta a Tupã. 
     Os brancos chegaram. E numa inominável sacanagem, roubaram-lhes a posse de tudo o que os deuses lhes haviam dado.
     Roubaram-lhes principalmente o sossego, tirando-lhes, inté, a oportunidade de ouvirem o sussuro rouco dos regatos e o canto sedutor do uirapuru.
     No dia do "achamento do Brasil" - nunca é demais repetir - eles eram 5 milhões; agora, segundo as estatísticas, não passam de 400 mil. 
     Por eles, sem dúvida, os brasileiros serão sempre responsáveis; e responsabilizados sempre serão perante a História pelo o que de mal lhes vier a acontecer.
     
     Diria que, até aqui, sobre os índios não escrevi nenhuma novidade. E ainda me dei ao luxo de falar do meu sobrenome, um assunto que, com certeza, a pouca gente interessa. 
     Mas, aproveitando o gancho, acrescentaria que quem não é do nordeste certamente não sabe que o jucá é  uma árvore típica da região. E que muito se "parece" com o cearense, menos no tamanho: o pé de jucá atinge uma altura de 30 metros. 
     E nós, cearenses, somos de estatura média. Por alguns - Rachel de Queirós, por exemplo - somos chamados de batorés.
     Mas vamos conhecer um pouco do jucá, a planta.
     É uma árvore de madeira muito resistente. Tanto que também atende pelo nome de pau-ferro. Seu tronco é liso e branco, com manchas acentuadas; muito bonito.
     Seus frutos: vagens achatadas de casca muito dura;  marrom escuro, e amadurecem em julho e setembro.
     E no que, ao meu sentir, o jucá mais se aproxima do cearense é a sua qualidade de planta solidária na dor e na doença.
     Como o jambo, o jaborandi, o jatobá, o jiló, a jalapa, a jurubeba, plantas reconhecidamente medicinais, vejam pra quanta coisa serve um chazinho da baga do jucá, quando se opta pela fitoterapia: é cicatrizante, expectorante, antiinflamatório, combate o reumatismo, a sífilis e o diabetes mellitus.
     Derruba febres brabas; é usado na afecção hepática; na bronquite; doenças do aparelho respiratório e na amigdalite. 
     Podem acreditar; não é história de camelôs da Praça do Ferreira ou da Praça José de Alencar. Está nos livros especializados. 
     Bem antes dos brancos chegarem por aqui, os índios já sabiam de tudo isso!

Nota - Foto do Google.      
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 14/04/2011
Reeditado em 17/04/2011
Código do texto: T2908913