Um assassino na escola

As informações aos poucos vão cedendo a dor e o luto para cair no silêncio até a próxima atrocidade virar manchete. Desta vez não houve nenhuma droga no caso, o que prova que a maldade é antes da droga. Lendo as informações e ouvindo comentários percebi que ficou fora da linha de raciocínio da imprensa “livre” o mito do herói. Vejamos como funciona o mito moderno do herói. Primeiro há necessidade de se destacar a qualquer custo, ser alguém, não apenas um infeliz no meio da multidão. Por esta razão pintam o cabelo de verde, mutilam os mamilos com argolas, raspam os cabelos, tatuam a testa, sobem o pico do Everest, perdem os pedaços nas corridas automobilísticas*. Tudo para estar em primeiro lugar até a queda.

Esse ponto nevrálgico motiva o crime. Ser bandido também aparece em destaque. Ou você é grande ou se dissolve no complexo de inferioridade. Ou você tem trabalho ou você é nada. Não basta ter arte é preciso ser excepcional para que se escute um novo mugido na manada. Aquele que faz algo diferente dentro da sociedade produzida em série encontra o paraíso e a mutilação. Por isso Adão deve ter pulado para longe do paraíso, para se destacar do resto da humanidade que procura incansável o lugar do seu fracasso. (Desprezível Adão).

O assassino na escola gostava certamente de terroristas. Os terroristas eram suas figuras de prestígio. Queria mostrar que ele tinha tanta coragem como um terrorista. Queria estar integrado ao terrorismo provavelmente. Viu nas torres gêmeas algo espetacular, desejava um feito grandioso, pretendia jogar uma granada no Cristo Redentor até aplainar o Pão de Açúcar.

Mas o que leva uma mente despreparada ao ataque de crianças inocentes? Decerto deve ter ouvido falar de soldados que jogavam bebês para o alto colhendo-os com baionetas na guerra do Vietnã. Devia amar o Rambo. Devia ter games inteiros feitos como brinquedos repletos de massacres. Procurou ser terrorista, era ser alguém. Devia assistir todos os jornais mostrando atos terroristas. Devia ser fã desses atos e consequentemente desejava mostrar que era um desses. Subjetivamente era um terrorista e praticou então o seu ato de terror. O mesmo terror que vimos todos os dias nos noticiários, com as mesmas características irrefletidas.

Era moço demais para ter assistido o filme Táxi Drive, mas parece ter saído de dentro dele todo o processo de ser alguém em meio à multidão indiferente. Seu perfil de soldado, lutador, precisava de causa. Mas ao que tudo indica era pastiche de terrorista estrangeiro. Para tanto se aliou à coisa mais fácil do mundo, nutriu-se da própria insanidade espiritual. Como o assassino de Lennon também misturou Jesus no choque entre o lendário e a mistificação. Jesus serve para tudo e nessas horas Deus é cego servindo apenas de consolo à posteriori. Deus serve a quem se salva.

A escola se traduz no elemento material do crime. Seria simples demais matar professores, ele provavelmente desejava matar a escola. A escola só pode ser representada pelos seus alunos na totalidade. Produziu notas razoáveis, boas e inúteis. Matar os professores nada significaria em seu contexto. Matar alunos sim, devia lhe valer, graças a incapacidade de lhe terem adorado, afagado, conversado, talvez lhe iludido das dores que possuía de si e do mundo. Dores que não aplacava nas drogas. Estava determinado a ter características militares, masculinas. Morrer lutando, atirando. Drogas seria fragilidade que ele dispensava e até desprezava como general de si mesmo.

O mito do herói é composto pelo homem que atravessa o destino e espanta o mundo com o seu terror. Herói de si mesmo no anonimato desesperado da existência perdida. A escola que havia lhe prometido ser alguma coisa na vida era agora uma mentira que merecia ser vingada.

A consagração destas mortes é outro fator no transplantio desse terrorismo. A profunda crença de que ultrapassando os limites da existência levaria consigo o número maior de inocentes ao seu lado, salvando-os desse mundo de misérias. Ponto alto do seu mito de herói. Dentro dele havia uma luta religiosa. A mesma e eterna luta religiosa que há no mundo inteiro. Isto lhe diferencia dos atos de um louco. Massacrou premeditando fazer valer as suas crenças num sincretismo de pavor e libertação. Estava no caminho da luta já que haviam lhe enganado na escola quando lhe disseram que ia ser alguma coisa na vida. Vingou-se da fábrica de ilusões agindo como libertador.

A educação brasileira atingiu o ponto máximo de deterioração nesse caso. A única luz no túnel é mesclar educação com psicanálise (sem psicologia barata) profundamente. Dotar as escolas de direito a saúde, odontologia, alimentação e um futuro emprego que dignifique a real condição estudantil. E não essa jogatina de funil que segrega milhares de estudantes a um grupo reduzido de privilegiados peneirados para dentro do mercado de trabalho. Portanto este tema deve despertar do sonho educacional as gerações que desejarem desafiar os temas complexos da vida com reflexão. Reflexão e não apenas as manchetes.

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* Xadrez é diferente. O jogo de xadrez é mais inteligente que o homem. Por esta razão é evitado. TR.

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 14/04/2011
Reeditado em 14/04/2011
Código do texto: T2908334
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