Talvez não haja “Ouro” no Fim do “Arco-íris”.

I.

Na rua algumas pessoas o cumprimentaram ou acenaram com a mão, mas ele não enxerga ninguém.

Está cego! E está ficando mudo também! Evita ao máximo as palavras e mesmo descerrar os dentes.

Está também surdo, surdo para o mundo; só ouve algumas músicas que o interessam ou o grito de alguém que peça socorro, desde que imprescindível. Se for apenas “charme”, mantêm-se omisso.

Está também perdendo o tato; não quer mais tocar nada nem ninguém. Evita sequer tocar-se, a avaliar este contínuo processo de desintegração, afora por questões de higiene, pois ainda é humano.

Só respira o oxigênio que ainda é indispensável para continuar arrastando sua carcaça, nada mais. Não quer saber do perfume das flores, nem perfumes importados, nem do fedor de seu sovaco.

Não quer saber de nada! Nada mais interessa! Mas não se matará, nem praguejará sua condição, jamais! Será simplesmente um cérebro sobre um corpo que anda; um animal irracional, nem bom, nem mal, apenas um animal espectador da dor do mundo, esperando sua hora, impassível, dentro das sombras de seus dias...

Sendo assim, não acredita em nada, não confia em nada nem em ninguém, nem em si mesmo, e nem quer saber de ajuda, de salvação ou que o indiquem a internação.

Não quer saber de esperança, questões de fé, ajuda do além, medicamentos, grana, casa, família, orgia, não, não, não, mil vezes, não! Quer que todos fiquem onde estão e o deixem fazer o que quer que fazer. E o que tens a fazer? Ah, amigo, nem ele sabe!

Se soubesse alguma coisa não estaria tomando vinho barato e escrevendo um monte de babozeira!

Se por acaso soubesse alguma coisa, mesmo assim não diria a ninguém. Não gostaria de ser tido como idiota, uma vez que ninguém, ou pouca gente, agüenta a verdade, e, como não a tens, não a tens!, prefere o silêncio a ficar inventando teorias, teses e antíteses sobre fatos vários. Não pretende montar seita ou igreja, muito menos ser político ou escritor de auto-ajuda, profeta messiânico ou qualquer coisa do gênero! Não pretenda nada, nada!

Aliás, se tiver alguém lendo isso aqui, amigo, você está mal!

Queria enforcar a cadela que não pára de latir!

Trancar os vizinhos dentro de suas casas para que não fiquem nos portões bisbilhotando!

Um lugar aberto e vazio, sem qualquer tipo de resquício humano, ou mesmo vagar a esmo por uma rua de São Paulo, rua sem nome, bem distante de si mesmo, sem que ninguém se interesse em olhá-lo ou saber que de alguma forma existe, que passou ali por perto!

Não quer mapa, nem códigos de barra, nem chocolates, cócegas, compreensão, presentes, compaixão, passado ou futuro! Mais uma vez, está aqui e isso basta!

Não gostaria nem de querer estar querendo isso. Uma árvore há séculos perdurando dentro de uma mata virgem, num lugar ermo, talvez tenha mais interesse em alguma coisa do que ele agora!

E, no entanto, continua ali, teclando... E continuará teclando, teclando, teclando até que seus dedos caiam..., hoje, amanhã, depois de amanhã e sabe-se lá até quando..., e o cão continuará latindo..., uns gostarão mais de videogame, os vizinhos no portão continuarão bisbilhotando, a cabeça explodindo, carros de som anunciando, anunciando..., pernilongos atacando, uns morrendo, outros nascendo, vivendo, uma mulher carregando um bebê, homens bebendo no bar da esquina, alguns ainda trabalhando para o mundo continuar, continuar...

II.

E o mundo continuará, disto não resta dúvida, mesmo que tudo isso pare agora, que o homem deixe de trabalhar, que as máquinas parem, que todo o sistema emperre, como naquele livro do Marcelo Rubens Paiva (blecaute), mesmo que haja explosão, terremoto, maremoto, bomba atômica, tsunami, meteorito sobre nossas cabeças..., o mundo há de seguir seu rumo, cheio de encruzilhadas..., independente se estivermos ou não por aqui... O mundo imundo há de continuar seu rumo...

Estamos simplesmente usufruindo este curto lapso de tempo, “o agora”, e queremos tudo, todos, que nos vejam, nos sintam, comam nossos restos e estudem nossos rastros deixados desde os primórdios. Nossos ossos são lambidos por cientistas sequiosos por pistas...

Queremos não só isso, queremos mais, ansiolíticos, vitaminas, anfetaminas e uma vida além disso, perfeita, em outro lugar, com mais paz, mais isso, mais daquilo, queremos ser o que sequer compreendemos, e andamos tremendo, temendo a dor..., a dor..., que talvez venha, ou não, no estertor..., mas, e o agora?

A eternidade? Pra que tanto? Pra que tanta ambição, meu Deus?! Não basta o fato de estarmos aqui agora e já logo queremos e estamos pensando no outrora!

Não seria melhor mastigar antes de engolir?

Ir mais devagar, pois o pote d’água pode estar quebrado e talvez não haja “ouro” no fim do “arco-íris”?

E o que eu, ele, você e outros tantos bilhões de seres-humanos temos a ver com isso?

Savok Onaitsirk, 13.04.11.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 13/04/2011
Reeditado em 13/04/2011
Código do texto: T2907337
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