Onde antes não dava pé...
Não consigo ficar muito meses longe de Ilha Bela. Gosto tanto da Ilha da Princesa e do veleiro "Sunamita" ancorado à nossa espera. Assim que piso na areia da praia me vejo outra vez menino. Fica difícil não brincar com o tempo. Sou daqueles que gosta de investir em seus próprios sonhos, garantindo a ativação de alguma coisa que traga felicidade ao espírito. E a praia favorece o ressurgimento da criança interior a percorrer antigos caminhos registrados.
Jung, o psicanalista com prenome real, Carl Gustav, escreveu uma tese onde disserta sobre a enorme importância de acessar o mundo infantil. Diz que isso é "regredir" voluntáriamente como uma maneira de acessar uma fonte insuspeitada de vitalidade, intuição e abertura.
Deve ser por isso que me renovo olhando com lentes de míope a praia da minha infância, pisando a areia fina e quente, deixando que a onda espraiada esfrie o calor.
Ultimamente tenho percebido que a pedra central da minha praia mudou de lugar. Riem de mim e afirmam que é impressão minha (concedo que seja mesmo impressão minha), mas comparada ao ângulo guardado em minhas fotografias de pré-adolescente, ela se deslocou para o lado direito e veio para o raso, onde todos podem acessá-la sem nadar.
Quantas vezes tive o sonho pretensioso de dar inúmeras voltas, nadando ao redor daquela pedra, lá onde não dava pé, como ela, tão linda em seu biquini, fazia todas as manhãs. Mas morria de medo. Só me arrisquei uma vez quando a maré estava baixa e não precisaria nadar muito. Carrego pelo resto da vida este lugar onde não dava pé. O amor de passagem, o amor acidental ansiado que se dá entre dois corpos quando são mais sensíveis à atração pelo sal do mar...
Agora a pedra está ali, pertinho e completamente diferente. Antes parecia tão longe e inacessível. Agora dá pra ver o aglomerado de rochedos, uma pequena ilhota pousada perto da areia. Meu primeiro foi pensar nela nadando ao redor da pedra e eu a contemplá-la sem paradeiro e sem porto.
Quando o coração cumpre sua sina e tudo volta ao seu lugar, agora, só me resta caminhar pela praia em direção ao pier perto da igrejinha.
Ali na porta da capelinha junto ao pier, com os olhos úmidos, recostado nas pedras, acendo o cachimbo e contemplo o mar para não ver mais nada, a não ser quem eu queira ver, ouvir o que eu quero ouvir, as vozes, as risadas, as vozes conhecidas, a voz dela... Na imaginação ela vem, senta-se comigo...o cheiro do ar da praia....na boca o sabor de amores mal cuidados, o barulho das ondas, o calor do sol... Apenas eu e meus sentidos...
Sim, estou convencido que a pedra mudou de lugar para que eu entenda de uma vez por todas que tudo muda desde que se queira mais...
Muda sim, desde que se queira mais!