SOMOS VENCEDORES

S O M O S V E N C E D O R E S

A vida sempre me foi gentil: criou-me.

Encontrei-me com ela, pela primeira vez, numa casa de pau-a-pique, de paredes de taipa e telhado de folhas de coqueiro. Mesmo com toda esta simplicidade foi amor à primeira vista.

Comecei a receber cuidados e carinho logo ao nascer, tanto que vim ao mundo gordinho, rechonchudo, corado e feliz. Toda criança ao nascer chora, pois eu em vez de chorar, sorri gostoso.

Aos três meses de nascido a morte queria porque queria me levar; sapecou-me um sarampo no corpo, daqueles de febre de pelar porco, mas a vida estava do meu lado; na base do jeitinho brasileiro ela me salvou: chás e rezas de benzimentos.

Pouco mais de dois anos depois, a encarniçada morte sorrateiramente me atacou: varíola. Mas minha paixão A VIDA, outra vez estava lá de prontidão, passou uma rasteira na morte e me salvou por um triz.

Quando tudo levava a crer que a danada da catimbozeira havia me esquecido, ledo engano, eis que sou atacado e mordido por cães portadores do vírus da raiva. A inimiga da vida ia me levando desta para a pior, mas... tcham... tcham... milagre! Infusões e mandingas indígenas atacaram de flechas e cassetes, novamente levamos a melhor, eu e a VIDA. O que é melhor; sem seqüelas, só um pouquinho doido, mas dizem que todos têm da loucura um pouco, não me considero melhor nem pior do que estes todos.

Sabemos que a morte diferentemente de tudo mais não manda recado, vai ao pé do eito, buscar o freguês.

A vida também não fica atrás, só que diferente da morte, ela se deixa representar por outros meios. Para as criancinhas recém nascidas ela se passa por mãe, e dá alento ao picurrucho na forma de colostro, leite materno, banhos, beijos, carinhos e conversas dengosas; e comigo não foi diferente, minha mãe me mimou e amou até a morte dela.

Aos sete anos, dizem os supersticiosos, que a idade do vai ou racha, ou seja, vida ou morte. É a transição do ente com direito aos hálitos da continuidade ou os bafejos da excomungada, que pode arrastá-lo para a cova.

Pois passei desta barreira com louvores. Recebi nota oito da vida e continuei em frente; os dois pontos que me faltaram para o grau dez, a dona da foice me atacou com uma coqueluche, mais precisamente tosse comprida.

Outro limítrofe entre viver e morrer, caracterizado pelo os míticos, é a passagem dos treze para quatorze anos. Se por coincidência ou não, quase entrei pelo cano, mais ou menos nesta idade. O caso foi que, literalmente, fui atropelado por uma junta de bois, os quais estavam atrelados a um arado para bois. No atropelamento quebrei as duas clavículas, algumas costelas, que perfuraram meu pulmão esquerdo, lado também considerado maldito, se pelo menos fosse o pulmão direito, mas não... quem tem madrinha não está pagão. “- Sua benção, madrinha!” E de novo, e novamente, e outra vez a VIDA me abençoou. Tanto que estou aqui.

As maiores irresponsabilidades as cometemos quando das proximidades dos vinte anos, talvez uns dois ou três anos antes ou depois. Entre estas referidas irresponsabilidades, quase sempre está incluso brincar com a morte. Brincadeiras bobas sem pé nem cabeça, tais como brigas entre jovens, bebedeiras, correr riscos em máquinas, enfrentar animais bravios ou desafiar a natureza nas mais variadas formas: escalar paredões, pular abismos, entrar em cavernas e outros.

Em todos os momentos o anjo guardião, secretário adjunto da vida estava lá; ora aparando golpes de adversários; ora amparando-me bêbado; ora freando bicicleta, moto... ora empurrando-me para subir sem cair; ora puxando-me quando muito cansado; ora retirando da frente os animais peçonhentos; sempre de prontidão, noite e dia, sem pagamento nem agradecimento.

Estava eu em pleno vigor dos trinta anos, mas nossa inimiga gratuita, a morte, quis nos pegar, eu e a vida, ou melhor, somente eu; na forma bacteriana de meningite. Mas minha amada e adorada, a VIDA deu-lhe um murro nas fuças e um pé no saco, e a mim deu saúde.

No começo dos quarenta anos, a prostituta, a morte, velhaca como ela só, não atacou de frente como de praxe, com seus males orgânicos; armou-me uma arapuca, na qual caí como um patinho! Fui acometido de psicose, uma das falsas amigas da morte. Ela avacalhou meu cérebro, no que vieram as perturbações na mente, o negativismo montou no meu cangote, entrei em depressão; tentaram induzir-me ao suicídio. Quase alegrei a filha da puta, no último alento... hosanas a VIDA! Aleluia... aleluia... a VIDA deu umas porradas em mim para alertar-me e tirar-me do transe psicótico; e outras porradas acompanhadas de alguns pontapés na morte. Fascinado, tirei a sorte grande: a VIDA; dei a volta por cima, bati a poeira do corpo, sorri para o mundo, sapequei um beijo na minha esposa, a VIDA; tivemos orgasmos múltiplos e vivemos.

Como viram foram várias tentativas de matar-me, mas a não ser a falta de um pedaço da orelha esquerda, fruto daqueles cachorros hidrófobos, não exibo mais nenhuma cicatriz. Houve quedas, escoriações, cortes, afogamentos e outras tantas moléstias, porém insignificantes para o zelo da vida para comigo.

No decorrer da existência de cada individuo acontecem coisas que as explicações são inerentes à realidade dos fatos. Pois comigo além da morte, minha inimiga ferrenha, meus semelhantes, os animais, por serem irracionais, estão sempre me atacando, bem sei que não é por mal, e sim pela índole deles, pois se fossem racionais me veriam como amigo, o que de fato sou. Como ia dizendo, fui atacado por um enxame de abelhas. Intoxiquei, e por pouco não fui para o além, contudo jogando no meu time estava a vida, vencemos.

Para ser claro e preciso, nosso time só venceu neste campeonato, nem empate nos servia. Também não somos de golear ninguém. EU e a VIDA formamos um time imbatível, isto porque respeitamos os adversários, jamais os menosprezamos. Não é que jogamos só no ataque, mas também não ficamos recuados só na defesa; até aqui ao longo deste embate jogamos sérios, cometemos poucas faltas e nenhum pênalti. Não chutamos nenhuma bola na trave. As faltas a nosso favor, bem como os pênaltis, os batemos no canto, a bola sempre rasteira e longe do goleiro.

Somos vencedores: EU e a VIDA!

Somos campeões!

(abril/2003)

Aleixenko
Enviado por Aleixenko em 13/04/2011
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