DE ONDE ME VIRÁ O SOCORRO? (REPRISE DE O BODE VELHO)

Acordei quando o visor do meu telefone móvel assinalava quatro horas. Lembrei-me de que para o dia seguinte, as treze horas, eu tinha um compromisso de consertar um órgão e participar de uma reunião evangélica familiar, num arraial por nome Itamotin, ao norte da Bahia, próximo às margens do rio São Francisco.

Encontrava-me a quatrocentos e oitenta quilômetros da tal localidade, mas contava com um período de trinta e três horas para estar lá.

Eu já havia programado tudo: sairia do hotel, em Feira de Santana onde me encontrava, à tarde; viajaria algumas horas; pernoitaria numa pousada qualquer pela via; levantar-me-ia cedo no outro dia e em mais algum tempo eu chegaria à localidade.

Foi assim, que depois de meus afazeres naquela manhã, em relação a algumas visitas a trabalho, por volta das dezessete horas iniciei meu deslocamento. A princípio percorrendo uma estrada que ligava a cidade em que me encontrava, a diversos arraiais.

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UM POETA PERDIDO

No momento estou dirigindo meu carro Algoliver por uma via simples, onde às margens avisto um posto de abastecimento. Uma cólica intestinal me molesta desde que saí de Feira de Santana. Vejo ali a possibilidade de ficar sem aquele incômodo.

Ao me aproximar, apressado, das dependências dos banheiros, não presto atenção à legenda ao alto, e entro no das mulheres! Só percebo que me encontrava em local inadequado, quando ouço o frentista lá fora, indicando para alguém do sexo feminino, que a toalete das mulheres ficava na primeira porta. Procuro sair depressa, ainda sem fazer minha necessidade. À saída deparo-me com uma senhora, que seriamente me censura; mas a cólica é tão forte que não lhe dou atenção! Sigo rapidinho para o banheiro masculino, onde fico ao vaso por quase meia hora, sem resultado.

Ainda sentindo fortes cólicas vou para o carro.

O único “medicamento” que encontro lá é um pouco de maisena, que adiciono à água numa caneca que levo, e bebo, clamando a Deus para me libertar da inconveniente dor.

Por incrível que pareça a dor diminui.

Na continuidade ajeito-me ao volante e sigo. Minhas observações pairam nos horizontes das terras semiáridas. É o sertão do norte baiano, mais conhecido como caatingas, composto de espinheiros agrestes. A tarde vai passando e o sol já está roçando o solo lá pelo oeste. Encontro-me cansado. Avisto a cidade de Capim Grosso; aproximo-me, tendo em mente de encontrar logo um hotel.

Que sorte! Bem ali, à direita da via vejo uma placa indicando Pousada das Mangueiras. Acerto com o atendente o aluguel de um quarto simples no qual me instalo. Após um reconfortante banho solicito um lanche à portaria, o que prontamente me é servido num lindo pratinho de cristal. Alimento-me e preparo-me para me deitar, momento em que esbarro no prato que ficara sobre a mesa, ele cai e estilhaça-se em pequenos pedaços. De imediato procuro catá-los, até que deduzindo que recolhera todos os cacos, deito-me e procuro dormir, todavia perturbado pela quebra do pratinho.

Horas depois acordo. O visor de celular marca uma hora da manhã. Levanto-me para tomar água e orar, quando descalço piso no chão e sinto uma dor aguda na sola do pé, ponto em que ao retirar um pontiagudo pedaço de vidro que ali penetrara, imediatamente começa uma hemorragia. Apesar de ter sido apenas a ação de um caco de vidro, contudo me preocupo em estancar o sangue. Ato contínuo fiz uma oração e tentei repousar outra vez.

O dia amanhece. Eu mal dormi, pensando na viagem e no incidente com o prato. Felizmente o atendente nem quis cobrar. Novamente inicio meu deslocamento. Olho num pequeno mapa fornecido pelo atendente da pousada e noto que desconheço totalmente a localidade para a qual eu me dirigia. Além daquilo havia alguns detalhes, que por telefone me foram informados pelos fraternos residentes em Itamotinga, sobre minha chegada em tal lugar. Um deles indicava que eu deveria deixar meu carro no estacionamento de um posto, num lugarejo, no quilômetro trezentos e doze da rodovia BA210 e contratar um moto taxista que me conduzisse ao final da linha, que seria o arraial citado. Depois de duas horas chego no tal posto, encontrando um rapaz por nome Nelson, que ali trabalhava, e com quem eu deveria conversar para saber alguns detalhes e confiar-lhe o carro, que logo foi posto numa garagem do posto.

Para continuar avançando, (que segundo as indicações, teria que ser feito por algumas trilhas) consigo um motoqueiro, mas que não tinha carteira de habilitação. A partir dali, embora fosse incômodo, todavia eu levava minha pasta, contendo papéis e ferramentas.

Alguns minutos depois, já em meio ao percurso, o motoqueiro se desequilibra e nós dois caímos. Por sorte não me firo; o rapaz porém, fica inerte ao chão. Havíamos nos deslocado por complexas trilhas por mais de cinco quilômetros. Um tanto assustado, tento reanimar o moço que aos poucos volta a si e me diz, com voz trôpega, que sofre de epilepsia e quando o fato acontece fica sem condições de pilotar moto por mais de três horas. No momento penso em meu compromisso, faltavam duas horas para o início da reunião. Pergunto-lhe se a localidade está longe; ele me diz que talvez esteja aproximadamente a um quilômetro dali. Tendo dele mais alguma informação empreendo uma caminhada a pé na direção apontada.

O celular está fora de área de cobertura, seu visor entretanto, apontam onze e quinze. Sigo, olhando sempre os horizontes do sertão baiano à minha frente.

“Acredito que já andei mais de um quilômetro e nem sinal do Rio São Francisco” – deduzo.

Segundo a indicação dada pelo motoqueiro que ficara se recuperando de seu mal-estar, eu deveria chegar às margens do grande rio e andar mais um quilômetro no sentido de suas águas correntes, quando então eu depararia com o arraial.

Na continuidade de meus passos vejo que as trilhas se bifurcam; aquilo mais me confunde. Ouço barulho de moto. Procuro seguir naquele sentido, porém o ruído se vai; os horizontes à minha volta ficam mais obscuros e nada de rio. Por fim as trilhas se acabam num largo espaço circular, onde certamente se reúnem os animais catingueiros que vivem naquelas plagas.

São treze horas. Lá se foi a oportunidade de ir à reunião. Continuo a procura de locais em que possa seguir, já que optei em avançar por um rumo que a meu ver seria o norte. Titubeio-me em meio às tranqueiras, chegando a me ferir em seus espinhos. Para complicar, com o passar do tempo a sede começa a me afligir. Olho o horizonte; o celular marca dezesseis horas. Já nem sei para que lado me virar a fim de andar entre os espinheiros.

Mas continuo em ação e inicio um avanço para o lado que me parece ser o norte, ponto cardeal em cujo rumo deve estar o rio.

A noite está chegando! Não encontro água, mas faço um cálculo de que o grande rio não deve estar longe; afinal, mesmo que eu tivesse andado em sentido contrário à sua localização, mas por ser a pé, tal caminhada deveria ter rendido pouco.

Já abatido, sem condições de continuar, sento-me ao chão e olho para o alto, recordando-me de um Salmos que diz: DE ONDE ME VIRÁ O SOCORRO?

Sempre admirei os entardeceres, ali porém, tive pavor. Eu não estava num deserto, entretanto num sertão, onde as direções, em seus horizontes pareciam ser a mesma coisa. Mesmo fraco e sentindo-me perdido em meio às tranqueiras (uma espécie de planta espinhosa) dobro os joelhos e ponho-me a orar. Ao terminar a oração assusto-me ao perceber um bode velho se aproximando, porém não parece notar-me. Percebendo que é um animal manso suscito forças para segui-lo. Penso que se conseguisse fazê-lo atinaria com o rio. Sua vagareza é tal, que consigo acompanhá-lo; com aquilo, em meia hora ele me leva às proximidades de uma tosca moradia, onde vejo pessoas, mas que ao me verem se escondem!

-Estou morrendo de sede. – gritei - Dêem-me um copo d’água, pelo amor de Deus!

Depois de relutarem em me atender, na porta surge um homem com o precioso líquido, servido numa cuia de coco. Após tomar a água, procuro me identificar. No momento ele não quer acreditar que eu seja um poeta e técnico de órgão musical, que por fatores alheios à minha vontade me perdi no espinheiro agreste. Felizmente, ao perceber que me encontro fraco, me dá algum alimento à base de queijo de leite de cabra, o que, em parte, me restaura as forças.

Minha odisséia termina, quando um rapaz que também mora na casa, se dispõe a me levar em uma moto que possuía, ao arraial de meu destino, onde chego com muitas horas de atraso, pelo que não pude participar da reunião familiar.

RESUMO

Tive que pernoitar lá, pois fraternos com os quais eu tinha tratado (por telefone) de me levarem de volta ao posto em que deixara meu carro, pensando que eu não iria fazer aquela visita de atendimento, ao término da reunião naquela tarde foram embora.

Mas graças a Deus tudo terminou bem.

Só que não acredito mais, que a citação “bode velho” significa...algo ruim!

COIMBRA "O PEREGRINO DE LUZIRMIL"