Até Deus duvida
Quando Vieirinha chegava era para ficar. Carregava a mulher e o acordeão. A maleta servia para receber cachês que demoravam dos bailões campeiros. Eventos de coronéis que gostavam das notas bem tiradas do fole da gaita. De seu tinha a mulher e ambos apenas as roupas do corpo. Sem onde morar, e artista trovador consagrado, anda de casa em casa pedindo pouso, que fosse apenas uma noite; e ia ficando até o dono do lugar começar a perceber que ele não estava mais aceitando a programação usual da televisão.
- Ah, dá aqui este controle remoto. Vocês não sabem assistir televisão. Bom mesmo é este canal...
A última coisa que um bom dono de casa deseja ouvir é que ele não saber ver televisão, chupar picolé é outra história.
- Quer dizer, Vieirinha que nós não sabemos ver televisão.
-Ó Cardosinho, só os artistas conseguem ver o melhor canal de televisão.
Estava ficando tarde e o melhor a fazer era preparar a cama dos “convidados” no corredor da casa pequena. Dona Nena pegou as roupas de cama, os travesseiros e estendeu no catre. Era o que tinha. Era demais dar-lhes a cama de casal aos hóspedes indesejados.
Mal Vieirinha percebeu as acomodações onde deveria descansar o esqueleto com a Clotinete e o orgulho de artista lhe fez subir o vermelhão.
- O quê!? Cardosinho, você é meu amigo. Vai fazer um artista dormir no catre tendo cama de casal? Uma coisa dessas não se faz com grandes artistas, eu sou um grande artista. Por onde me hospedo tenho sempre cama de casal disponível. Depois, por estas paradas não tem fandango que os meus parentes não vão.
Cardosinho estaqueou. Abestalhado, boquiaberto, indefeso. Sem saber que o fandango no domingo havia se tornado caro demais. Sentiu que o Vieirinha estava se passando por um gênio Teixeirinha, um grande Leonardo. Era melhor não contrariar. Se piorasse num arruado de poucas casas..., haveria poucos recursos para detê-lo. Periclitante era saber que Clotinete sequer lavava um prato.
Dona Nena e Cardosinho cochicharam uma saída inteligente para o outro dia, mas nesta noite cederam a cama de casal aos artistas.
Dormiram no catre.
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