“Em nossa sociedade, os homens são paranoicamente ambiciosos, porque a ambição paranóica é admirada como uma virtude e os que alcançam sucesso são adorados como se fossem deuses.”
                                                           Aldous Huxley

            

            (quando a escada é retirada) 
           SE AGARRAR NO PINCEL
         IMPEDE A QUEDA?


           A pessoa teve uma vida sem nenhum acontecimento mais notável, não inventou nada, não publicou grandes obras, não enriqueceu, não ganhou na loto,  e parecia alguém que jamais conseguira construir um relacionamento afetivo feliz e satisfatório, mas estava imbuída da sua  missão de grande ser humano adiante do seu tempo, imaginando que poderia mudar o mundo, que de alguma forma   lhe estava reservada uma missão como  uma espécie de enviado, ou predestinado. Paranóia assim da boa, daquela de dar febre e produzir delírios notáveis de grandeza mal disfaraçada, mas ainda assim sempre encoberta por uma aparente humildade. Eis um perfil típico.

         Por que tantas pessoas atualmente estão a achar que precisam encontrar fora de uma existência normal  o que vai lhes conferir valor e dar sentido as suas vidas?  Faz parte naturalmente da nossa visão ocidental valorizar os grandes heróis, algo que perpetua uma forma de dominação, mas hoje temos visto o advento de um novo tipo de personalidade expoente  que é a chamada
   CELEBRIDADE  e esta nova onda faz com que gente inclusive rica, com uma ótima atuação no mundo dos negócios ache que precisa mais, como é o caso do herdeiro rico e empresário que casou com uma ex modelo famosa, como se sem esta exposição na mídia ele ficasse desprovido de uma existência completa. 

        Uma história pessoal para ser digna e uma vida para ter valido a pena não necessita de grandes acontecimentos, nem de sonhos de fazer algo inusitado. O grande barato da vida é a gente reconhecer que somos apenas nada. Todo o desejo e crença de que somos capazes de mudar o mundo não passa de mera arrogância e delírio. Podemos mudar a nós mesmos talvez, e já teremos feito muito, pois se cada um assim agir, as coisas no seu todo vão mudar pelo efeito em cadeia. As grandes mudanças jamais serão atingidas de fora pra dentro pois todas as tentativas nesse sentido fracassaram porque não respeitaram a liberdade das pessoas. E quando falo em tentativas de mudança me refiro àquelas que se caracterizaram pelo uso da imposição pela força de alguma forma, chegando aos extremos de lutas armadas.  Em âmbito mais restrito, podem ocorrer nas relações humanas em que algumas pessoas tentam impor comportamentos a todo um grupo usando de coação e recursos vis, ou mesmo de ideologias ou preceitos duvidosos.

            Quando a vida pessoal que é o que realmente importa, não satisfaz, quando não conseguimos estabelecer vínculos com outras pessoas de verdadeiro afeto, quando não conseguimos nos relacionar com quem está próximo e atingir plena satisfação , aí muitas vezes nos jogamos em empreitadas de compensação,  indo em busca de nobres causas que podem se restringir a meros delírios de grandeza  em conversas e algumas ações inócuas, mas podem se manifestar também em curiosos comportamentos compensatórios como salvar gatinhos de rua insanamente, recolher donativos de caridade como se sem isso fôssemos seres perversos, fazer trabalho social como um ato de fé, e até ir mais longe, imaginando que o mundo é algo que pode ser moldado segundo as nossas grandes idéias que trarão finalmente mais justiça social, trabalhos digno e por aí vai.

           Ocorre que, em primeiro lugar, é preciso arrumar a casa, arrumar a casa de dentro, perceber as causas que nos estão levando a tais fugas, pois como vamos pensar em transformar a vida dos outros se a nossa própria é um caos e um desastre? Se nossos filhos estão ao abandono enquanto olhamos para moinhos de vento? E amar a humanidade que é algo abstrato, ou amar cachorrinhos que jamais dirão o que sentem por nós, é talvez uma forma pela qual pessoas que não conseguem estabelecer verdadeiros vínculos afetivos buscam para compensar frustrações, para preencher o seu vazio existencial.

           Naturalmente não faço a apologia do egoísmo e da indiferença diante do que está bem ao nosso alcance. Eu recentemente gastei uma fortuna para os meus parcos rendimentos, pagando cirurgias em uma cachorrinha adotada por um filho, que não ia deixar o animal sofrendo. Entretanto tenho consciência de que não posso salvar a todos. Além disso, querendo ou não, agimos sobre o mundo, mas isso assim naturalmente, ao acaso dos dias, uma mão lava a outra.  Pelo nosso trabalho,  pela nossa conduta honesta, pelo olhar a quem nos procura em hora de desespero, pela compaixão com o sofrimento alheio.  Porque conheço gente que morre por um cãozinho abandonado mas em compensação não consegue dar amor de verdade a um seu semelhante.  E há pessoas que se dizem humanitárias mas não são capazes de um gesto de humildade, de reconhecer os seus erros e pelo contrário,  procurando eximir-se a todo custo de qualquer responsabilidade.
 
           E grandes líderes que diziam defender causas humanitárias em todos os tempos, vistos bem de perto, revelaram personalidades violentas e que não hesitaram
em decretar matanças, como se as pessoas fossem uma massa informe que eles modelariam ao seu bel prazer retirando aqui, cortando acolá.  Não se faz  mudança com revolução armada. Que como eu já disse, por trás de tudo isso existe mesmo é o pior do ser humano que em situações de exceção mostra a sua verdadeira face cruel e é onde os desvios, as loucuras e taras tem carta branca e viram artigo de grande procura para fazer o serviço sujo.

           E sair por aí quixotescamente como enviado, ou predestinado, parece mesmo algo desses tempos malucos.  Já dizia um louco para o outro ao lhe retirar a escada: "te segura no pincel!" Subir em escadas ilusórias pode ser mesmo fatal. 

          Descoberta a beleza do anonimato, percebida a imbecilidade que é achar que só existiremos pelo olhar e aplauso alheio, aí atingiremos o estágio de seres evoluídos que se recolhem à sua maravilhosa insignficância sabendo entretanto que são únicos e que existe lugar pra todos, e que, sem nenhuma dúvida,  ninguém vai ficar pra semente.

tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 11/04/2011
Reeditado em 20/04/2011
Código do texto: T2902094
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