MÃO BOBA

Fui hoje, domingo cedo, ao alto da Renascença, na Rua Helium, reduto da velha guarda dos moradores e torcedores do “Esporte Clube Renascença”, na tentativa de encontrar meu mano Silvinho, a fim de batermos um papo e matar as saudades dos amigos e moradores daquele pedaço de Beagá onde fui criado.

Passei devagar, o carro quase parando e não vi ninguém. Os bares todos vazios (no do Roberto Rocha só uns três ou quatro fregueses), na Mercearia do Ney só ele e mais ninguém, de maneira que virei à direita na Rua Botucatu, brecando logo no início da descida pois vi o Santinho lendo jornal na varanda do seu sobrado. E aí ele me gritou:-

“- Ô, Betinho, vamos subir! Chega mais, prezado! ...”

“- Não, Santinho, estou procurando o “Beiçola” mas acho que ele deve estar em casa. Vou lá. Outra hora volto com mais calma, tá legal?” – respondi ao meu antigo parceiro de futebol, quando garoto, nos infantis do “Renascença”.

Desci a rua em direção à Praça Urupês, do outro lado da Rua Jacuí e dei sorte de achar o mano Silvinho no seu apartamento, onde fazia seus relatórios de viagem para apresentar ao escritório de vendas na segunda-feira. Anunciei-me, abriram o portão eletrônico e subi. A Consolação, minha cunhada, recebeu-me com a simpatia costumeira e logo o mano velho veio do quarto para a sala, onde iniciamos um bate-papo.

Falamos de tudo e de todos e o Silvinho foi ao quarto, voltando a seguir com álbuns de fotografias do seu tempo no VASCO DA GAMA, bem como um pequeno troféu com a inscrição:- “Caro Amigo Silvinho, receba esta homenagem dos componentes da PELADA DO RENA como sinal de nossa admiração e estima, não apenas por sua bela história como desportista, mas, acima de tudo, pela extraordinária figura humana que é. – Belo Horizonte, 1º. Novembro de 2010”

E aí, já viu, né? O resto do tempo foi gasto recordando as suas passagens pelos vários times de futebol nos quais exibiu sua arte, começando pelos infantis do “Rena”, passando pelo Cruzeiro, Nacional de Uberaba, Vasco da Gama carioca (onde ele teve a glória de participar daquele jogo contra o Santos, quando o Rei Pelé marcou o seu milésimo gol no arqueiro Andrada), América Mineiro, Vila Nova de Goiás e Fortaleza, onde encerrou sua carreira. De quebra, ele emprestou-me um álbum repleto de fotos sobre suas andanças ciganas por esses clubes todos, com destaque para uma, no final do álbum. Era cena de comemoração pela conquista do Campeonato Goiano de 1973, quando a numerosa torcida do Vila Nova carregou os jogadores, seus heróis, nos ombros e o mano Silvinho, em primeiro plano, sorridente, erguia o punho esquerdo em vibração, ostentando um belo e caro relógio. À sua frente, um “torcedor” magrelo, brancão, cabelo escovinha, erguia bem alto o braço direito em sua direção e com a mão esquerda surrupiava-lhe o relógio, sem que ele se desse conta da mão boba! ...

Eu fiquei indignado com a cena, mas o mano, com aquele seu jeito alegre e brejeiro, apenas comentou:-

“- É, mano, nessa hora nem todo mundo é torcedor, sabe? Fazer o quê? São os ossos do ofício! ...”

-o-o-o-o-o-

B.Hte., 10/04/11

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 10/04/2011
Reeditado em 10/04/2011
Código do texto: T2900524
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