Ufanismo digital gaúcho
Examino cuidadosamente o jornalão de maior prestígio do Rio Grande do Sul e observo o que os seus colunistas estão comentando sobre a “era digital”. Lá do alto da excelência privada o editor Ricardo Stefanelli, Diretor de redação, inicia a sua pregação digital com estas palavras: “nunca um gesto tão prosaico como o clic em um mouse teve tanto poder” (ZH, 10 de abril. 2011).
Como já me referi em artigos anteriores os intelectuais majoritariamente perderam a capacidade reflexiva diante da nova transformação. O senhor Ricardo S. continua; “liberdade na era digital virou arte e ofício ao mesmo tempo”. Suponho que muito bem, sem vintém.
A razão é que a imprensa tomou a grande fatia de poder e aliou-se a ideia de que é a única defensora do bem-estar social ao lado do poder propriamente dito. Junto ou ao lado. De empresa para empresa a internet é o máximo para o aumento da arrecadação. Assim que a pobre blogueira cubana Yoni Sánchez, encontrou a brecha entre as barbas de Castro na rede mundial de computadores para ser democrata. Ser democrata aqui pela internet tem conotação diferente, virou mecânica espiritual no campo digital. Ofício de doação enquanto os lucros anonimamente se abalam para bolsos desconhecidos. Digitalmente.
Há vantagens envolverem multidões nessa gratuidade. Todos nós esperamos eleições livres em Cuba, bem como auferir uma parcela dos anúncios nos espaços ditos “gratuitos” da rede aqui. Estamos na fase posterior de Yoni: temos liberdade e internet e queremos que ela seja útil no reconhecimento do trabalho intelectual como ofício e renda. Já que a rede desmantelou muitos mercados tradicionais como na área da produção musical, gráfica, e outros. O que desejam nos dizer é o seguinte: o dinheiro para pessoa física comum como Yoni aqui no Brasil é zero a cada hora de navegação. Cada qual passará em vão a vida teclando inutilidade democraticamente o que é bem válido, mas produz empobrecimento. (Exceto à minoria intelectual indistinta que adora vitrine pela vitrine).
No ensino a internet é um desastre alarmante, todavia louvado como se nada mais tivesse importância. Quem há de querer um professor se temos a biblioteca de Alexandria no colo? O Sr. Tyler Cowen, professor de economia na universidade George Mason (EUA) declarou (está no jornalão): “Precisamos de pessoas pensando como usar a internet para tornar o ensino mais vívido e disponível a um preço mais acessível”. O senhor Tyler Cowen começou a frase certa: “precisamos de pessoas pensando”. No lugar da automotivação coloque autodidatismo. O autodidatismo pesporrente é a verdadeira aliada da internet para preguiçosos sem biblioteca.
O senhor Tyler Cowen é o máximo, continua: “a questão é sabermos o que fazer com o que está na web”, e vai mais além, “a internet é um vasto centro gratuito (...) de aprendizado e entretenimento. Muitas pessoas mal tiram proveito disso”. Palavras de Tyler Cohen que assombram, quer dizer então que milhões de usuários mal sabem o que fazer com o que está disponível. Mas eu sei o que fazer, o que não sei é onde está o valor intelectual da produção humana nessa vasta rede. Por incrível que pareça a pornografia aprendeu antes de todos como lucrar dando ao indivíduo exposto uma renda que é considerada altamente lucrativa. Poder digital é da imagem.
Quanto à mobilidade da informação ela simplesmente desvalorizou o trabalho profissional tornando a profissão útil a máxima de que jornalista é o texto. Uma rasteira na imprensa como segundo poder paralelo. Qualquer texto, até o do Tyler Cowen pode ganhar velocidade e todo mundo vai achar legal a rapidez do enfoque esgotado em si mesmo.
A internet gerou crises em diversas áreas sem colocar nada no lugar. O poder do seu quietismo encontra-se na ausência direta entre produção e arrecadação para gente comum, simples, do dia á dia. Gente que passa horas se expressando na rede. (Engraçado, mas verdadeiro). É o que está em voga. A exploração da capacidade de expressão livre para a boca no trombone como o lamento de Yoni. Em sim a coisa internet tem tanta importância quanto a canção de Caetano Veloso muito antes de Yoni: “Mamãe eu quero ir a Cuba, quero ver a vida lá”. Olha o IP e o fascismo sexual, portanto quanto mais livre e sem recurso, mais produção barata, mais produção de baixo nível na mais perfeita e indecente gratuidade de expressão. A internet tem o bolso oculto enquanto fala em visibilidade.
Nossa era digital nacional está na fase pré-colonial onde trocamos espelhinhos por ouro com ingênua e indígena bondade. E isto é um fenômeno global. Os engomadinhos só enxergam liberdade de expressão como ponto alto desse ufanismo técnico. O cidadão que sofre de tetraplegia econômica deve compreender financeiramente o quanto ser livre para se expressar nada significa, e ainda custa alguns níqueis num cyber café, sem café e pão. Essa é a grande falsa nutrição de liberdade que encobre a existência da máquina caindo vagamente na idealidade triunfalista dos donos das grandes corporações. Perfeita aos seus filhos que brincam com notas de cem no pátio com amigos pobres certamente bem dispostos a venerar a falta de reflexão. A internet para o pobre tem o mesmo efeito da classe média diante do carro no começo automotivo da era JK. Perfil: paupérrimo, sem teto, sem emprego, mas com carro e gasolina. “Ela mora no Orkut!” como diz a canção.
Finalmente qualquer fórum coloca de lado o seguinte: ninguém é pobre na rede. A maquiagem é das melhores que o mundo já conheceu. Saudade do Brizola e do Darcy Ribeiro.
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Reflexões a parte: A internet é a maconha das imagens... Livre até ali, mas relaxante.
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A crescente velocidade da rede está aliada ao consumo de prazer na quase totalidade da experimentação.
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