Mortinha pelo meu espantalho...
Proporcionalmente às coisas de que realmente gosto, gosto de menos coisas. Gosto de burros, abraços, cemitérios, de ti, de mim, etecétera e tal, mas isso já toda a gente sabe. O que pouca gente sabe, e digo pouca porque há alguém que sabe, é que gosto de espantalhos. Não me refiro aos espantalhos que abrilhantam e se cruzam connosco no nosso dia-a-dia. Esses respeito, naturalmente, senão pouca gente sobraria para respeitar e eu gosto de sentir que respeito muito. Refiro-me, mesmo, àqueles espantalho das hortas com cabelos de palha e vestidos de roupas velhas e quanto mais velhas melhor, um espantalho de smoking duvido que me causasse o mesmo efeito. Claro que não consigo explicar este meu fascínio pelos ditos, como também não consigo explicar porque é que eu acreditava em tapetes voadores, enquanto os outros miúdos acreditavam no pai Natal.
O objectivo dos espantalhos é afugentar os passarinhos, mas espantalho que se preze tem sempre os braços a servir de poleiro para os mesmos. Daí os espantalhos já não abundarem como outrora. Foram substituídos por uma espécie de ventoinhas que fazem tictac.
Os espantalhos que abrilhantam e se cruzam connosco, são insubstituíveis, continuam com falinhas mansas, trajam de gala e acalentam a esperança que façamos do cinismo deles o nosso poleiro.
Em homenagem aos espantalhos, de que realmente gosto, com cabelo de palha e vestidos de roupas quanto mais velhas melhor, peguei num e coloquei-o no lado de lá da porta, não é que os passarinhos me incomodem, é uma espécie de amuleto com o intuito de me proteger de mal intencionados. E confesso que resulta! Passei a ser vista como demente, logo um alvo a evitar. É o mundo em que vivemos, só a demência é que nos salva. Como os opostos se atraem, nada como fingir demência para repelir a mesma.
Agora vou, tenho mais um espantalho, com cabelo de palha, vestido de roupas muito velhas e de braços muito abertos para me servir de poleiro…