NUM SANTUÁRIO DE OUTONO
Hoje, bem cedinho, já se esboçava no horizonte uma ensolarada manhã de outono, embora a umidade da madrugada ainda pudesse ser notada por todas as trilhas ainda sonolentas do "meu " parque.
Nós, seres humanos, vez ou outra temos dessa arrogância ignorante e narcisista, a ponto de lidarmos com a natureza como mera matéria submetida à ambição das nossas mãos.
Todavia, quando lá estou me sinto dentro dum santuário ecológico, então, eu aciono todos os meus sentidos mais supra-humanos e dispenso qualquer acessório que me distraia da exuberante natureza, em parte ainda milagrosamente virgem, a me permitir somente um ou outro click da minha máquina fotográfica.
Havia poucos frequentadores quando me sentei no entorno do lago para observar o cenário, e pude notar que ali as cigarras despertam bem cedo, numa concorrida algazarra com os bandos de maritacas que sobrevoam todo o parque, nos dando um impressão de observantes "fiscalizadores" do belo recinto.
Depois das chuvas recentes de Janeiro a Março o lago recebeu gigantescos "paus-ferros" que tombaram nas suas águas, aonde vários pássaros aproveitam seus galhos semi-submergidos para dormirem seu sono semi-urbano.
Dois cisnes negros, ali ancorados , pareciam dormir naqueles finos galhos mas logo abriam as pálpebras e suas enormes asas quando duas gaivotas brancas os sobrevoaram para disputarem o mesmo espaço.
De fato, a natureza vive a pedir pelo que lhe é de direito porém, como são diferentes de nós, Homens, os demais animais!
Percebi que respeitosamente os "cavalheiros" cisnes deram espaço às gaivotas que elegantemente pousaram nos galhos para esperar os peixinhos com os quais em breve se alimentariam. As carpas tingiam o lago dum abóbora forte e movediço.
As tartarugas, num coletivo impressionante, povoam o fundo do lago, e tão logo o sol dá o ar da sua graça, se enfileiram nos troncos das árvores para o banho dos seus cascos sob os raios mornos das manhãs.
Um espetáculo singular aquela fila de tartaruguinhas...
À mínima sensação de resfriamento da chuva sobre elas, pulam imediatamente n'água como atletas de saltos ornamentais.
As borboletas nessa época são poucas, porém, vez ou outra, uma sobrevoa o lago meio zonza como se houvesse perdido o caminho de casa.
Os patos dormem em terra, porém com o sol surgindo param de roncar e seguem deslizando nas trilhas das águas, deixando rastros de bolhas para trás como se fossem exímios barquinhos rumo ao horizonte, hora em que os saguis descem das altas árvores para recepcionarem os visitantes.
Notei um grupo de jovens universitários que filmava o cenário para o trabalho dum "curta" solicitado pela sua universidade de cinema.
De fato, aquele parque haveria que estar nas telas do mundo, não porque seja o mais lindo, porém decerto que pela vida sempre nos haverá cenários que nos são mais representativos.
Assim pensando parti para as trilhas. Ouvi um som seco que já me é familiar, olhei para cima e um lindo pica- pau diferente, de penacho AMARELO, fazia o seu bate-estaca. Assim que me viu voou alto. Muito lindo o seu voo cautelar.
A partir dali segui minha caminhada o tempo todo acompanhada por um bem -te vi que apenas saltitava pela trilha, já não arrisco e mais gordinho que o habitual, talvez um tanto urbanizado e familiarizado ao Homem.
Lancei meu último pensamento a ele: "pobre passarinho, sequer poderia imaginar o potencial risco que eu lhe representava".
Quanto mais observo a natureza, na sua respeitosa logística de coexistir, mais eu lamento por ser Homo Sapiens, cuja "sapiência" me parece, em muito, dispensável.