E EU SÓ TINHA MEDO DO ESCURO...
Existe uma fazenda em minha infância da qual morro de saudades. SAudades do meu vestido florido, meias de bolinhas e da fala ríspida de meu pai. Os intermináveis ensaios na coroação de Nossa Senhora do Rosário. as cabaninhas no meio do mato e o futebol de rua com os meus irmãos. Tudo tão simples e tão grandioso! A fazenda de minha infância fincada na raiz da serra! E eu só tinha medo do escuro. Me lembro de como gostava do sol e afundar meus pés na lama. Tomar banho de chuva e me deitar na enxurrada. A catapora, a casquinha no nariz e o medo do escuro. Não tínhamos celular, computador, internet e éramos tão próximos! Tudo era muito de verdade. Acho que por isso, morro de saudades. Não empurrávamos a vida comn a barriga, vivíamos a vida exatamente como ela se apresentava. Éramos felizes! Tínhamos tempo de jogar bolinhas de gude e brincar de finca no quintal de terra enlameado. Adorava me ver suja de terra e os cabelos embaraçados. E eu só tinha medo do escuro! As estórias de fantasmas sempre contadas à partir das seis das tarde pra dar um ar de suspense. Saudades enormes do "bença pai bença mãe" na hora de dormir. As belas histórias de SAnto Inácio de loyola e São Francisco de Assis contadas com tamanho entusiasmo pelo meu pai e o nosso interesse em ouvir tudo até o fim. E eu só tinha medo do escuro! Muitas saudades das vezes que chegava em casa com os joelhos arrebentados e o dedão do pé sangrando. Guardo as marcas por dentro e por fora pra que eu nunca me esqueça: Olha, eu estive lá, arrebentei os joelhos e apanhei de meu pai por isso." E ainda assim, eu só tinha medo do escuro. Já não tenho mais medo do escuro, mas...SAudades imensas das ruas de minha infância, onde lá, eu só tinha medo do escuro.