O PRÍNCIPE DAS CRÔNICAS

Desde os meus tempos de jovem recém casado, morando na Paulicéia Desvairada e circulando diariamente pelo centro da cidade, Avenida São João, Avenida Ipiranga, Praça da República, Rua Barão de Itapetininga, Praça Ramos de Azevedo etc, eu curtia as crônicas do Carlos Heitor Cony, publicadas na “Folha de São Paulo”. Um amigo meu, colega de escritório, o Carlos Manoel Marques, advogado, português de nascimento e brasileiro de coração, um “gentleman”, sabedor do meu gosto pelas “escrevenças” e pela leitura, foi quem me indicou o fabuloso cronista e alguns de seus livros, como por exemplo, o “Quase Memória, Quase Romance”, um primor de peça literária. E daí eu nunca mais deixei de ler o Cony.

No dia 07 deste, quinta-feira passada, saboreei mais uma de suas criações publicadas na “Folha”, intitulada “HOMEM: ESSE DESCONHECIDO”, uma crônica nascida num vôo seu do Rio para São Paulo, na famosa ponte aérea entre as duas capitais, a qual me reservo o direito de transcrever abaixo, compartilhando-a com os amigos do “RDL”:-

“Sentou-se ao meu lado, quase nos fundos do Airbus que me levaria a São Paulo. Tinha seus 50 anos. Levava uma sacola. O que me impressionou foi o bolso de sua camisa. O paletó aberto deixava ver tudo o que ali havia.

Umas cinco ou seis canetas de diferentes feitios e cores. “Para que tantas canetas diferenciadas?” – foi o que pensei. Mas além das canetas, tinha no mesmo bolso uns cinco caderninhos de agenda, suficientemente manuseados. Que endereços e telefones o obrigavam a trazer colados ao peito tantos caderninhos?

E havia mais. Um envelope comprido, que parecia um aviso bancário ou coisa equivalente. E, naturalmente, o cartão de embarque do vôo das 16,20 horas.

O bolso estava estufado, estufadíssimo. Mesmo se quisesse, ele não poderia fechar o paletó. Olhava-o, fascinado, tentando imaginar quem seria aquele companheiro de viagem, o que fazia, o que já fizera pela vida afora.

Olhei seu rosto. Era indecifrável, e estava cansado de um dia difícil. Usara aquelas canetas todas? Consultara aquelas agendas? Quando chegasse em casa, o que faria com elas? Deixaria os filhos mexer naquilo tudo?

Tive uma idéia sinistra:- se o avião caísse e aquelas canetas e agendas se misturassem com o meu esqueleto espatifado? Quem sairia perdendo ou ganhando?

Acho que sairia perdendo. Em primeiro lugar, pelo esqueleto espatifado. Em segundo, porque os peritos ficariam confusos diante dos meus ossos de cambulhada com tantas canetas e cadernos. Talvez eu assumisse a identidade daquele homem.

Bem, torci para que o avião não caísse. Pensei que esqueceria o companheiro de viagem. Vejo que não. Ontem, abri o jornal e vi a foto dele. Chamava-se Amaro. Era pracista de uma industria de azulejos. Foi morto pela amante, que se chama Rosária.”

Uma vez mais rendo as minhas homenagens ao grande Carlos Heitor Cony, como quando o enalteci também num texto meu de 24/07/2004, publicado aqui no “RDL” e intitulado “DE CHEIROS, MOLHOS E SABORES”, pela sua imensa figura humana, pelo brilhante jornalista e pelo fabuloso cronista que ele sempre foi, é e será !...

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B.Hte., 09/04/11

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 09/04/2011
Código do texto: T2898229
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