Ainda é uma QUINTA-FEIRA
É mais uma tarde de quinta, não é segunda, início da jornada, nem sexta, quando para muitos ela se finda, nem sábado, ou domingo o fim de uma semana e início de outra, é quinta-feira, apenas, onde tudo funciona corriqueiramente, em continuidade, tédio e expectativas de mais um "fim" de semana. Lá embaixo as pessoas conversam, trabalham, andam pela rua, estão vivendo o rotineiro, poucos, diria, raríssimos agora pensam na vida, estão autômatos. E aqui em cima alguém escreve, inoportunamente coisas que pouco interessa a quem executa os movimentos de praxe.
Trago o ar à minha volta, meus pulmões se regozijam e meus olhos rejubilam quanta vida há ao meu redor. Mas, hoje ao chegar do trabalho resolvi ligar a TV, coisa que geralmente não faço, prefiro a realidade nua, com seus discursos correntes, sem muita barbárie, fantasia, eloquência, opto pelo tédio dos traseuntes ao banquete dos idealistas, porém hoje, quis ligar a TV, e ver como as tintas aquarelavam os fatos, tinta sobre tinta, mas em toda essa obra ainda é possível reconhecer a tela escondida, então, liguei a TV, e talvez nem precisasse explicar tanto um ato a muitos tão comportamentalmente implícito, e de sobressalto ouvi palavras duras ecoarem: sangue, crianças, escola, morte, crianças, jovem, arma, morte, sangue, desespero, multidão...
A televisão reportava um terrorismo na cidade carioca. Um jovem que aparentemente introspectivo, isolado, e sem atecedentes criminais, o que até parece dizer alguma coisa, porque todo mundo antes de entrar para o crime não possui antecedentes e nem todo o que entra garante sua permanência nele, mas continuando, um ex estudante que adentrou o lugar onde antes fora aluno e depositou inúmeras balas no peito, no cérebro, enfim na vida (que passou à morte) de diversas crianças. Perguntei-me: Onde estava a dor desse jovem? Alguns se perguntaram: O que se passa na cabeça de alguém assim?, outros, Por que crianças? Por que meu(a) Filho(a)? Mas eu sinceramente quis saber onde estava a dor? Depois de alguns anos de experiência enquanto ser humano, e nisso não precisamos de graduação, diploma ou diplomacia, vejo-me à cada dia diante da minha dor e da dos outros. Alguns de nós não sabem o que fazer com ela, multiplica-a, transfere-a, abafa-a, ignora-a, mas poucos conversam com ela, talvez porque não estejamos adaptados a conversar com os nossos inimigos e falo daquele seu vizinho que você não fala por que não sabe de onde veio, ou quem é, e daquele senhor que você encontra todos os dias no trabalho, mas é estranho e mal encarado, custa-lhe muito um cumprimento qualquer, e assim seguimos transformando pessoas em coisas, o medo em pessoas, as faltas em prioridades e o outro em culpa. Quem são as vítimas de toda essa "loucura"? O infame jovem, as crianças, as famílias, nós, todos nós? Quem seriam os vizinhos, a família, os inimigos desse infeliz rapaz? E as possíveis respostas são mais assombrosas do que o fato em si.
Hoje é quinta-feira, e as pessoas andam nas ruas, trabalham, executam, produzem e assassinam! Assassinam tudo e todos a todo momento. O mundo, o outro a si mesmo, é o dualismo morte e vida separados por uma tênue imprevisibilidade. Seria um sinal? Foi numa escola que tudo começou e terminou. Eu, professora, depois de chegar do meu trabalho, intuitivamente ligo a TV, então me ligo, não foi ali, nem naquele momento, está sendo, as coisas estão acontecendo e o homem continua, destruindo, em lugar de construir, entendamos destruir, diferente de desconstruir, pois toda construção gera antes uma desconstrução, mas não necessariamente uma destruição.
O mais irônico é que somos uma sociedade apta a produzir, mas inaptas a viver, vivemos para produzir e não o contrário. FOI EM UMA ESCOLA! Lugar de onde aquele jovem (ex estudante) deveria ter saído mais produtor, menos produto e principalmente mais humanizado. Hoje, eu parei para escrever, famílias pararam para lamentar, corações pararam para consolar, outros para petrificar, para sentir dor, e para se calar. Meu coração está enlutado a perda da humanidade, hoje, ontem, anteontem, talvez amanhã, oxalá não esteja, mas ainda é quinta-feira e tudo funciona corriqueira e continuamente.
Caetité, 7 de abril de 2011.