NAO ENXERGO SAÍDA

AO ENXERGO SAÍDA

Não perco chance de conhecer e ouvir pessoas. Surge o inesperado, uma conversa produtiva, algo que merece registro. Casualmente mantive contato com um profissional que é ferreiro. Sua oficina fica no bairro Santa Lúcia,em Maceió. Fui acompanhando uma amiga e fiquei temerosa, pois achei o lugar distante e bem deserto.Deu tudo certo.Converso com o proprietário. Pergunto-lhe o que há por detrás daquele altíssimo paredão que faz divisa com o local de trabalho dele. Foi a "deixa" para se soltar. Trabalha há 32 anos na instituição murada. É do governo e abriga cerca de 200 jovens, que vão dos 13 aos 22 anos. Sua maioria é de delinqüentes, mas há garotos que apenas não possuem famílias. Ele emprega alguns de lá; trabalham , dormem,aprendem uma profissão e nos finais de semana ganham um dinheirinho.Não admite drogas. Chama um deles e me apresenta. Estou interessada em saber mais e o empresário em me falar.

Conta-me que já foi professor da área de profissionalização na mesma instituição. Ensinava a ser ferreiro, não a todos. O quadro de profissionais daquela casa de recuperação, ao longo dos anos, aumentou muito e o serviço prestado piorou demais. São terapeutas ocupacionais, psicólogos, advogados, pedagogos e, em consenso, acabaram com a profissionalização. Acharam melhor dar atividades como pintura, dramatização e outras que não dão futuro. Diz: ”Não é que elas não sejam importantes, mas o jovem tem que saber uma profissão para se virar quando sair dali”. Eles justificam a mudança nas atividades, porque era arriscado colocar jovens perigosos com acesso a materiais que podiam ser transformados em armas. Podia até ser, mas o jovem quer ser ocupado. Não seria um psicopata que iria para uma oficina de ferragens, por exemplo. Teria que ter uma seleção. Antes chegou a atender 600 garotos. Havia os que vinham buscar ajuda psicológica, aprender uma profissão. Era, às vezes, trazido pelos pais. Hoje não se faz este tipo de atendimento. Aliás, diz ele que o Estado não faz quase nada. E diz mais: quando completam a idade são jogados na rua, sem profissionalização, sem família, sem nada. “Já sabe o que acontece”.

Hoje ele trabalha recuperando objetos quebrados, fazendo vários tipos de manutenção e, paralelamente, trabalha como ferreiro. “Quanto às fugas,vou só lhe contar uma: eles quebram bloco de concreto, por exemplo, retirando os ferros. Esquentam o plástico que era de desodorante e apertam no meio da vara de ferro para dar apoio nas mãos. Quando o monitor aparece eles o rende, enquanto vários fogem por um buraco feito no muro. Vão, então, assaltar quem encontra pela frente e as residências. Não é raro ter fugas". Há muito mais para saber. Um dia, quem sabe, volto lá.

Há a via da fuga e, também, quando são expulsos pela instituição para ir viver na sociedade que não é acolhedora,a briga está causada. Para eles não há o que perder e ganhar só a sobrevivência, como se fosse “fera ferida”. Têm que lutar e lutam atacando inocentes, pessoas ordeiras, cidadãos do bem que pagam em dia seus altos impostos, fazendo mais do que a sua parte. Em contrapartida, o Estado que deveria retribuir com segurança se omite. Se o Estado não se estruturar para dar educação, rever sua organização, é uma causa perdida e a violência vai atingir níveis insuportáveis. O que fazer? Que qualidade de vida as futuras gerações vão encontrar ou já estão encontrando? No momento não enxergo saída.

Edméa
Enviado por Edméa em 06/04/2011
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