GEMIDOS DEPOIS DA MORTE
Fazia frio antes do anoitecer como vinha acontecendo há vários dias. Algumas pessoas entraram no cemitério da cidade em visita a um finado parente. Depositavam flores no túmulo quando, perto dali, ouviram um gemido baixinho, comprido. Os visitantes olharam desconfiados para os lados (quem sabe alguém disfarçando pranto, em memória de ente querido?); não viram ninguém chorando. De repente, outra vez o gemido baixinho, comprido. De instantes a instantes ele se repetia triste. Um dos presentes, arrepiado, parecia ter localizado o lamento; apontou para o chão a poucos metros, garantindo; “Vem daquela cova ali, e eu conheci a morta, uma mulher que foi enterrada faz três dias”.
E novamente incomodava o tal gemido baixinho, que vinha mesmo debaixo do chão. De olhos arregalados direcionados à misteriosa sepultura da mulher, uma senhora idosa juntou as mãos em prece: “Em nome de Jesus ela ressuscitou! Ave-Maria, cheia de graça...”
Tinha hora que o silêncio voltava, mas, aos poucos, distante e baixinho, persistia o sofrido murmúrio como em dor constante. Pobre mulher.
Um penitente se dispôs a buscar adeptos de sua seita, para, em grupo, suplicar a Deus pela alma sofredora.
Um senhor preocupado deu a bronca: “ Gente, essa mulher foi enterrada viva!” e saiu do cemitério sob frio danado para avisar familiares da falecida.
Foi um corre-corre. Ainda sob a dor do terceiro dia de separação final, os familiares encontraram pequena multidão no cemitério: uns querendo arregimentar irmãos de crença para rezar, pedir a paz, o amparo do alto; outros, assumidos materialistas, teimando que a coitada tinha sido enterrada viva.
Uma cunhada da pranteada, possível morta, ao ouvir o gemido, disse que era “ igualzinho ao da falecida”.
O irmão da sepultada contou que no dia do enterro, à noite, fazia muito frio, o local da sepultura estava escuro e não sabia por que tiveram tanta dificuldade para ajeitar o caixão na cova, que desceu empurrado à força poque não queria caber no espaço; mas ela tinha morrido sim, sofrendo, cancerosa, porém, com assistência médica até o fim.
A dúvida, entretanto, continuava: como explicar os gemidos onde foi enterrada?
Notando que romaria religiosa faria plantão fúnebre ao redor da enigmática última morada, um familiar cortou o fervor dos manifestantes: “ A gente tem é que chamar o coveiro e abrir a sepultura. Agora”. Tal funcionário apareceu, dizendo que só podia atender com autorização judicial.
Após muita discussão o coveiro cedeu, abrindo a sepultura, iluminando com lanterna cada palmo de terra retirada. Enfim o caixão: puxado para fora até ficar livre do buraco estava intacto, rodeado de feixes de flores ainda viçosas devido ao frio. E o susto ( que que era aquilo?!): do fundo da cova saiu um cachorro capengando, exausto, gemendo igual gente, agora abanando o rabo pela satisfação de respirar ar puro. Pois era aquele pobre cão que há três dias gania preso debaixo da terra, empurrado num espaço reservado ao caixão. O coitado se escondera ali, antes do sepultamento, para se abrigar do frio sem perceber que também seria enterrado.
O animal, fraquinho pelo sofrimento dos três dias, era do coveiro, que justificou: “ Poxa, é por isso que ele sumiu. Nunca me larga!”.
Felismente, a resistência e os ganidos (ou gemidos) salvaram o cachorro. Ninguém morreu por ter sido enterrado vivo.
Benza Deus.