TRISTES TEMPOS
                           Xilogravura de Oswaldo Goeldi

 
Apezar de hoje ser um dia qualquer, a tristeza se assenhoreou de mim e não sei como contar ou como sinto. Mas é um estado tão vasto, vou soltar em escritos, pois eu mesma estou tão invadida por este sentimento misturado, que vou lançar as palavras para que elas digam por si, já que eu mesma nem consigo relatar, estou só na área do sentimento de sofrer.

É difícil começar. Não tenho datas e coerências de fatos de vida e de história política. Aliás, percebo que não registrar datas é uma defesa que uso, pois quanto menos precisão bem mais apagada as coisas ficam. Ou seja, ficam menos sofridas.

E todo sofrimento de qualquer ordem acaba se remetendo ao momento de interrupção ocorrido quando ia ser feliz para sempre.

Quando assisto uma cena de tragédia, ou de violência de um mau contra um bom o sentimento vem à tona. Há pouco na TV um homem insano comanda a mulher e a filha com requinte de poder e desrespeito misturado com desamor. Ou seja, para elas medo e falta de liberdade.

E senti que o medo talvez tenha sido a coisa mais forte me tirando do ar consciente. Algo instantâneo, sem deixar possibilidade de lembrar o ocorrido ou o ia ocorrer e o que ocorreu durante o qual eu permaneci sob o domínio daquele estado indefinido até hoje. Mas houve uma transformação definitiva, talvez.

Bom, ontem à noite passou na TV BRASIL a 1ª. Parte de uma documentação da ação americana, em filme registrado e agora vem a público, da intervenção de Kennedy e Lincoln Gordon no Brasil evitando que Jango assumisse o governo ( justificam eles que não queriam que o comunismo castrista cubano dominasse no Brasil). E USA deu muito dinheiro para todos os estados do Brasil, para Lacerda e militares. E conseguiram sucesso esperado.

Penso ou sinto que daí veio este sentimento subserviente, rabinho entre as pernas das autoridades e povo brasileiro em relação aos americanos. Falam em inglês e viajam a Miami. Ganham de mim o desprezo.

Eles impediram o crescimento do Brasil, com JK + Brasília, depois a democracia c/ Jango, derrubando-o que discursava ao povo pela reforma agrária. Foi uma INVASÃO INTERNACIONAL e os americanos pagaram aos brasileiros coniventes para agir como eles queriam.


Bem, o Brasil era o meu sonho realizando, que representava o meu futuro alegre e de construção e de tudo eu faria parte.


Tão pessoal tais acontecimentos, que associo como emocionada fiquei ao Jango discursar, que até chorei. Tão pessoal também o meu amor e admiração por Brizola. Choro novamente. Acho que choro pelos motivos expostos, mas percebo no fundo do sentimento, que choro um choro por algo pessoal sofrido de medo, de me ser tirada a felicidade, de ser subvertida a algo que eu não era e passei a ser. De trilhar um caminho que alcançara sem notar, e então trilhando uma nova história e desfazendo com esquecimentos, com incompreensões e me anulando inconscientemente para eu não ser nada, para eu não saber que eu era muito.


E isto ocorreu com todo o povo do Brasil. E retrocedemos quarentas anos. Perdemos a vida. E o povo virou apenas latino. Esqueceu a cultura, a música, a sua história, a sua alma.