SARA, E O DIA EM QUE A CLASSE DA SÉTIMA SÉRIE CHOROU POR ELA

A PARTIDA COM UM BREVE RETORNO

Tudo parecia calmo naquela manhã na casa da Rua Rui Barbosa número oito. Silvia, que era um capeta em forma de adolescente, desafiou a irmã mais nova, no caso a Sara, para uma luta corporal dentro do banheiro. Sara aceitou o desafio, e com a porta do banheiro trancada, o bicho começou a pegar entre as duas. Enquanto as lutadoras mandavam brasa na contenda, o barulho acabou por chamar a atenção de Tia Ruth, que ao saber do que estava acontecendo, muniu-se de uma régua grande, mandou que as duas abrissem a porta e, Sílvia, mais arisca, rapidamente saiu do banheiro, palco ringue da luta e quem acabou levando as reguadas foi a Sara, a irmã mais nova. E foram belas reguadas! Inclusive a lâmpada do banheiro acabou sendo uma vítima fatal de uma das reguadas! Sílvia, não satisfeita com o tumulto iniciado por ela, incentivou Sara a ir embora de Santa Maria da Vitória para Sítio do Mato sua terra natal.Onde já se viu apanhar da tia! Sara, sob a égide da emoção comunicou para Iaiá Lindaura que queria ir embora. Iaiá Lindaura com o seu jeito manso e carinhoso lhe perguntou: É isto mesmo minha filha que você quer? Sim Iaiá, respondeu Sara. Então minha filha, irei contigo não vou deixar você ir embora sozinha. Na verdade, Iaiá Lindaura era muito esperta e jamais deixaria Sara retornar sozinha para Sítio do mato, afinal de contas com a sua presença, poderia reverter aquela situação. Em poucos minutos as malas foram aprontadas, e, avó e neta partiram naquela mesma manhã com destino a Sítio do Mato, lugarejo que ficava às margens do Velho Chico.(Rio São Francisco) Sílvia se sentia agora dona do pedaço,a rainha da cocada preta, afinal de contas a irmã concorrente não seria mais adversária para ela. Reinaria sozinha. Sílvia quando criança, certa vez na fazenda em Sítio do Mato, prometeu para um irmão mais novo uma recompensa para que ele desse uma pilotada no rosto de Sara e, ele, dentro da sua inocência de criança o fez. O grito de Sara foi tão intenso que assustou a todos. Enquanto o irmão mais novo levava um corretivo com o próprio estilingue,instrumento utilizado para a agressão irresponsável e ela para fugir ao castigo, rapidamente subiu no umbuzeiro atrás da casa e que naquela época estava frondoso, cheio de folhas e flores, pronto para dar os frutos de época, e lá ficou escondida na parte mais alta da copa da árvore o dia inteiro. O que parecia uma busca desenfreada pelo irmão mais velho, ávido por vê-la castigada, passou a ser uma busca desesperada por ela a medida em que o dia começava a acabar e o sol ameaçando sumir no horizonte. A aflição tomou conta de todos! Com a certeza de que não mais seria punida, e com medo da escuridão da noite, Sílvia resolveu enfim descer da árvore e com a maior cara de pau,entrou na casa como se nada tivesse acontecido de fato.Também pudera! Ela ouviu a mãe dizer ninguém vai bater na minha filha se ela aparecer! Detinha, Lurdinha, Sara e eu pastávamos na mão de Sílvia, quando ela resolvia fazer chacotas da gente;nunca cumpria com as tarefas domésticas destinadas a ela.Aqueles momentos vividos naquela casa trazem muitas saudades para mim ainda no dia de hoje.

Agora retornemos à partida de Sara.Quando ela partiu, a minha ficha ainda não tinha caído naquele momento. Não saí de casa para não ter que falar com os nossos colegas mas ao chegar a hora de ir para a escola a turma teria que saber do ocorrido e eu não teria como esconder mais. Era de costume Sara e eu irmos sempre juntos para a sala de aulas. Ou quando não coincidia de chegarmos juntos um sempre chegava logo em seguida à chegada do outro. Cursávamos a sétima série do primeiro grau à época em 1973, no Colégio Popular Oliveira Magalhães. Os nossos colegas, vendo–me chegando sozinho e depois de alguns minutos não vendo Sara chegar notaram que algo de estranho havia acontecido e foram logo me perguntando: E Sara não vem para a aula hoje? Não - respondi de pronto.

- Mas por que ela não virá, perguntou Netinha.

- Ela foi embora para Sítio do Mato e não vai mais estudar com a gente.

- Mas, o que aconteceu? Perguntaram novamente.

- Um entrevero (na época eu disse um problema) que não posso falar, senão sobra para mim.

Pronto. Foi o bastante para deixar toda a classe em polvorosa. Os colegas mais chegados, como Tião de Zé de Tião, Tonho de Palu, Renato de Naná, Robertinho, George de Wilson Barros, Kadinha, João Batista, Saulinho, Jairo, Rogério Lega,Josélio,o irmão de Janico Laranjeira, Netinha, Verônica, Maria José, Linda de dona Zizi, Leninha, Zé Manoel, Netinho de Rolando Laranjeira, Neidinha de Nego e alguns outros que tenho as imagens guardadas na memória mas não me lembro dos nomes no momento,que de imediato já planejaram uma ida até Sítio do Mato para trazerem Sara de volta, custasse o que custasse. Naquele dia nenhum professor conseguiu dar aulas direito pois a classe estava muito agitada. Confesso que fiquei surpreso com o carinho que a classe inteira e professores tinham pela minha irmãzinha de criação Sara. Eu já sabia do prestígio dela, mas que chegasse a diexar a classe inteira a ficar triste pela sua ausência, inclusive as rivais dela, foi algo inusitado! Só não fiquei com ciúmes, porque a saudade também já estava doendo no meu peito.

O pior de tudo, foi agüentar o Tião de Zé de Tião que era apaixonado pela Sara, chorar de verdade no Jardim Jibóia , querendo saber o real motivo pelo qual levou Sara a ir embora , e que não se conformava com aquilo. Naquele dia e noite ninguém foi passear no Jardim Jacaré e nem mesmo no Bar e Sorveteria Santa Clara,points da cidade, onde a ida após as aulas era obrigatória. A maioria ficou confabulando no Jardim da Praça das Bandeiras, de como trazê-la de volta. Na verdade, para mim, não foi fácil passar aquela noite, sabendo que a minha amiga de brigas; Sara era chata e cheia de autoridade e que já demonstrava essa qualidade desde os dez anos de idade, o que lhe garante até os dias de hoje o perfil de grande professora ( era Sara quem pegava no meu pé para estudar para as provas, ler os livros , fazer os trabalhos, acordar cedo para rachar lenha) não estaria presente no dia seguintes e nos demais dias.

O dia seguinte amanheceu meio sem graça, meio sem música. O sol até parecia que não brilhava,embora os raios fosses fúlgidos!Enquanto isso, a outra irmã de criação, Sílvia, também já se mostrava meio sem graça, sentindo que tinha exagerado na dose. Quando estávamos sentados à mesa almoçando, de repente Sílvia dá uma risada forte tirando sarro e dizendo: Há, eu sabia que você não ia ficar! Quando olhei, vi Iaiá Lindaura de volta em companhia da Sara que estva com um sorriso meio amarelo.Eu não quis sperder o ano por isso voltei, falou. Com certeza Iaiá Lindaura usou da diplomacia para convencer Sara a retornar, o que ela fez muito bem. Santa Maria poderia ter sido privada de uma grande professora e cidadã. Confesso que fiquei muito feliz com o retorno dela. O coração bateu muito forte naquele momento. Não lhe falei do ocorrido em sala de aula, para ela não ficar mais cheia de si, e, também não falei nada para os colegas para que houvesse um grata surpresa no horário das aulas.

Quando a turma ainda meio de cabeça baixa viu Sara chegando com os livros e cadernos embaixo dos braços, parecia o comitê de recepção de Lula, tamanha foi a algazarra festiva que a turma fez com o seu retorno.- Agora sim a nossa sala está completa! Dizia alguns dos nossos colegas. Sem você isto aqui ficaria um cemitério! Íamos buscá-la de qualquer jeito nem que fosse amarrada! Como mencionado, Sara foi a única pessoa em toda minha vida que eu vi fazer uma sala inteira de sétima série chorar e ficar triste com a sua ausência, e fazer uma grande festa com o seu retorno. A cidade agradece o seu retorno até hojee o nosso colega Tonho de Palu também. Alguns anos depois Tonho de Palu e Sara se casaram e tiveram os filhos: Nara , Slvinha, para homenagear a nossa maluquinha Sílvia, e o caçula Ray.

Sílvia hoje mora em Guarulhos com o seu marido e suas filhas e já faz um bom tempo que não a visito. Estou com saudades dela. Há quinze anos não vou à Santa Maria e não vejo a Sara. Também estou com saudade dela. O importante é não esqucermos dos momentos marcantes da vida e com certeza, se algum colega daquela sétima série ler esta crônica, viajará no tempo com saudades.

É o que há.

Joãozinho de Dona Rosa