Sol com palavras

É Incrível como na Itália as pessoas maduras estão ativas nos programas televisivos. As pessoas adultas estão bem vivas na televisão italiana. Quase não se vê jovem pulando. Aqui a criança e o jovem se tornaram objeto de interesse de mercado. São eles que compram e gastam sem medidas. O resultado? Somos tratados como uma espécie de resto logo em seguida. Somos o resto da juventude. Envelhecemos cedo no Brasil porque a juventude é uma instituição equivocada no espírito infantil da eternidade.

Tornam-nos velhos e incapacitados para o mercado de trabalho a partir dos quarenta anos. É o tal “mercado competitivo” que deveria ser chamado de “mercado qualitativo”, sendo “mercado da segregação”. A inexperiência cai no ciclo da rotatividade barata.

O que as pessoas maduras fazem sem trabalho? Os cabelos brancos muitas vezes chegam cedo demais em muita gente bonita. Mesmo assim damos preferência ao país infantilizado. Esse negócio de achar infantilismo bonito é o tipo de idiotia que rende alto. Faz parte de a fórmula expor uma juventude disposta ao espetáculo constante da exterioridade.

O que sei fazer? Escrever. Sei inventar com palavras, contar casos, questionar injustiças. Tenho o quixotismo natural do cronista com alguns erros normais de português. Espécie de poluição em níveis aceitáveis. Aos quinze anos tive minha primeira remington. Sei datilografar e digito com muita precisão e rapidez. Sei observar e relatar situações complexas. Sou enxadrista. Todo enxadrista gosta de minudências, entrelinhas, subtilezas. Conheço palavras novas e velhas como “subtil” e “avatar”. Gosto das palavras que eu aliso. Confesso que sou tímido demais para me tornar vendedor, além do mais o Detran ficou com meu dinheiro, além da suposta carteira de motorista. Que esplêndida burocracia de arrecadação! Foi a única vez que não fui para lado nenhum na tentativa de ter um carro e um destino. Podia me tornar vendedor, mas como ser vendedor sem carteira de motorista? Fazem cada uma com a gente... Perdi uma profissão, um carro e uma habilitação sem contar as moedas. É o Brasil riquinho.

Minha maior inclinação? Invenção. Inventei o “Prêmio Nobilis”, mas ficou só nisto. Fosse charlatão abriria um consultório de adivinhação, pois leio almas mesmo à distância. Tenho uma intuição profunda para encontrar talentos reais. Sei visualizar onde estão às belezas suntuárias em todos os grupos sociais. Sei fotografar e minha locução é boa dentro de minha alma autista.

Faz pouco tempo que acabou a profissão de jornalista. Bati nesta porta ainda jovem, hoje a profissão não existe mais. O corredor estreito da imprensa abrigava muitos e poucos bem remunerados. O número crescente de jornalistas dentro de uma geografia reduzida de jornais. Ínfima, devorando contratos rotativos para não suprir a qualificação com altos salários. “Free-lance” era o nome bonito que se dava aos biscates na imprensa dessa época. Chargista, desenhista, fotógrafo, artista gráfico – todo mundo trabalhando nesse universo de dinheiro avulso e incerto. Tem rico que trabalha até de graça na profissão que quiser

Hoje tem gente que escreve “blogueiro” na ficha no lugar onde solicitam a profissão. – Qual é a tua profissão? Blogueiro. Estamos cada vez mais doando o trabalho intelectual. É a cultura esvaída. Fotos, textos, charges, tudo entregue a vergonhosa gratuidade para a internet. Gratuidade que passa por igualdade de oportunidade num mundo real de poucas vagas. Para escritores não há vagas. Na Academia de Letras não sobram muitas vagas. Perto de casa também não há vagas. No novo lugar atrás do sol, também não há. É preciso esperar com palavras um lugar ao sol. Haverá vagas para escritores quando deixarmos em segundo plano o á-é-i-ó-u das novelas e dos craques de futebol. Rei para tudo.

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O computador perguntava: O que podemos fazer para melhorar essa informação? Respondendo: Parar de dar informações e funcionar.

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 05/04/2011
Reeditado em 05/04/2011
Código do texto: T2890818
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