A HORA DE CADA UM
Enquanto acompanho, encantado, o surgir do sol no horizonte além, centenas de pessoas, espalhadas por aí, despedem-se para sempre deste mundo, cumprindo, assim, o prazo estabelecido no Livro da Vida para suas permanências nele.
Da morte ninguém escapa, seja rico, pobre, gordo, magro, preto, branco, americano, suíço, alemão, japonês, ancião ou criança. Quando chega a hora de determinada pessoa ir, Deus manda as Parcas cortarem-lhe o fio da vida e, sendo-lhe de direito o céu, que os anjos a recebam na porta, tocando hinos de boas-vindas em suas liras. Caso contrário, que ela desça imediatamente aos infernos, para cumprir, a exemplo do que vemos em Dante, o seu castigo eterno.
Não adianta, então, nos apegarmos a coisas materiais. Quando vamos, levamos conosco tão-somente a roupa que nossos familiares vestem no corpo petrificado que já não nos pertence. O apego a coisas materiais faz com que nossa alma não ascenda ao lugar a que tem que ir e vira espectro infeliz, preso ao lugar em que vivia. Talvez seja por isso que ouvimos sons de correntes sendo arrastadas pelo chão da casa nas noites sombrias e sem luar.
A hora de cada um, cedo ou tarde, sempre chega. Por isso é importante estarmos preparados, a exemplo do bardo pernambucano, que nos confessa em seu famoso poema: “O meu dia foi bom, pode a noite descer. / (A noite com seus sortilégios.)/ Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,/ a mesa posta, /Com cada coisa em seu lugar”. Mas isso, claro, é totalmente subjetivo, depende da filosofia que se traça para a vida.
Enquanto minha hora não chega, vejo com gosto o sol derramar suas tintas nas coisas ao meu derredor e os pássaros cantar alegremente na copa das árvores. Depois entro, abro meu livro e continuo a leitura, de onde eu a tinha interrompido, na noite anterior...