Sonho
Sonhei , no sonho acordei num outro mundo. Os sonhos sempre fazem a gente acordar de um jeito diferente, num lugar estranho e diferente, quando será que dormimos?
Despertei num pequeno quarto com muitas janelas, não havia nada nele além de uma pequena escrivaninha com um pedaço de papel e uma caneta gasta de mim.
Olhei pelas janelas, avistei um jardim surreal, nem feio nem bonito, apenas estranho.
Um longo varal estendia-se a perder-se de vista nas planícies verdes azuis daquele lugar.
Penduradas no varal, estavam folhas de papel, suspensas num cordel gigantesco, feito de cipó, coisas malucas do tipo que só vemos em sonho.
Ao invés de grampos, eram pássaros multicolores que prendiam as folhas, os pássaros trocavam cantos, esculpiam asas no vento, perfumavam as folhas com polens de flores virgens.
Aproximei-me do cordel feito, recolhi, curiosa que sou, uma das folhas ali suspensas. Tratava-se de letras, todas elas misturadas.
Eram lindas letras, que se depreendiam do papel, umas caiam por terra, outras ganhavam o céu. Teve uma que vi voando nas asas do pássaro, teve uma que vi chorando num ponto final.
Teve letra abraçada, hifens rendidos, parágrafos sublimados em diálogos perdidos.
De repente letras debruçaram-se sobre meu olhar, emudeci num grito surdo, ao sentir uma delas em meu coração se acomodar.
Não entendi, apenas assenti ao estranho e jamais sentido.
Não quis acordar antes de entender...
Eis que surge, em meio ao sonho, um velho senhor, seu cabelo parecia um manto de plumas brancas, havia no seu olhar uma profundidade que só a sabedoria sabe desenhar nos olhares. Então, o velho senhor me disse, de forma calma e silenciosa, que as palavras são anjos disfarçados, que servem para tornar o mundo um lugar mais bonito; disse que as palavras isoladas entre si são como ilhas, barcos à deriva, mas, àquele que consegue unir as palavras certas, que consegue descobrir o sagrado na junção das letras, este é capaz de sentir o perfume de Deus. O perfume de Deus não está guardado em frascos de cristais e nuvens, está guardado no acasalamento sagrado das palavras.
Em meio a densa neblina que pairava sobre meu sonho, vi o velho senhor ir embora, ele caminhava calmamente em direção dum imenso jardim. À medida que ele caminhava, desprendiam-se de suas vestes muitas letras, iam deixando um rastro sobre onde ele passava, eu tentava ler, decifrar aqueles signos, mas ao me aproximar elas se misturavam aos meus olhos invisíveis.
Quando despertei do sono com o cheiro de café sobrevoando a cozinha, haviam seis horas penduradas no relógio, o aroma da manhã esticava-se até o quarto, sobre meus braços repousava um livro do Pessoa, que até em sonho nos faz mais gente!
Antes do café, antes de começar o dia, um pouco mais de poesia!