VIDA MERGULHADA NO SONO DAS PALAVRAS
Quisera não mais usar as palavras para a catarse sempre impossível: mais que impossível, inútil.
Não há substituto para o perdido, nem ressarcimento viável para as coisas que se mostraram e se mostram insolúveis; sequer há como e onde esquecer. Há apenas a consciência, esta ferida que queima, sem remédio, que será preciso suportar e carregar até o fim, na solidão dos dias destinados a não partilha, a nenhuma partilha. Apenas seguir, esta para sempre desconhecida para si mesma e para todos.
Quisera poder usar as palavras para ato poético que já nâo dependesse nem dissesse das artimanhas da minha biografia, esta coisa sem sentido nem horizontes novos, sem qualquer precária liberdade à vista. As palavras para ato poético não mais reevocação do que quer que seja, do que quer que tenha sido ou não, ou nunca.
Ato poético definitivamente para fora e para além de mim e de ti, do que quer que tenhamos sido, ou não, de tudo o que jamais teremos o direito de compreender nem de ser nem de o tentar.
Ato poético para fora e para além dos espaços desta clausura, do silêncio entre nós, eu e minha companheira, esta única, esta que depende só da minha vida em sacro ofício para prosseguir a própria vida; o ato poético para fora e para além dos medos, dos pavores, da impotência, da ausência das mãos estendidas, do colo de irmão onde pudesse, por uma vez que fosse, chorar todas as lágrimas represadas há eternidades.
Ato poético que, já não dizendo nada de mim, exatamente por não dizer mais nada de mim, tivesse o poder de repor a certeza de que existo de fato e de que vim para cá também para alguma outra coisa em absoluto diversa destas coisas familiares que se me tornaram estrangeiras e, por vezes, mesmo hostis.
Enfim, ato poético que acordasse a vida mergulhada no sono das palavras. Ato poético que acordasse as palavras da sua letargia. No que ainda for possível. No que ainda me for possível por algum direito.
Na tarde de 04 de abril de 2011.